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Reparei na proposta de uma coligação entre o PCP, o BE e o MPT feita pelo MAS apenas ao mesmo tempo que na entrevista de Marinho Pinto. Foi uma publicação do Bruno Góis no facebook que me chamou a atenção para o facto.

Nessa entrevista, Marinho e Pinto, melhor que ninguém, encerra o capítulo da recém-avançada proposta do MAS ao reafirmar-se defensor acérrimo do euro e ao disponibilizar-se para se entender com PS ou com PSD para soluções de governo. Mais uma vez, tal como no caso de Fernando Nobre, o ensaio de populismo pretensamente anti-sistema político redunda no momento seguinte num apoio ao que esse mesmo sistema tem de pior.

Contudo, não se trata aqui de contentar-se em criticar a falta de visão política, de viabilidade ou de correção política de uma aliança tão contranatura. O que interessa pensar é a forma como a esquerda se situa face à “crise da política” e, nomeadamente, a possibilidade de resposta a que se pode chamar populismo de esquerda.

Em primeiro lugar, esclareça-se o termo uma vez que não se procura com ele o insulto. Adoto à partida uma “definição mínima” de populismo: chamo aqui populismo ao discurso antipolítica que toma os políticos habitualmente como um grupo homogéneo a condenar sem distinções; que, tornando-os alvos preferenciais, foge às questões sociais; que é fácil porque pretende reproduzir acriticamente um certo senso comum hegemonicamente construído e dominante sem o alterar; que redunda num oportunismo político muitas vezes protagonizado por uma figura “justiceira” que pretende captação de votos e atenção mediática.

Este fenómeno enquadramo-lo, do ponto de vista tradicional da esquerda, na direita apesar de tipicamente este mesmo populismo se esforçar por fugir a esta distinção declarando-a ultrapassada. A reprodução de grande parte destes motivos pela esquerda é aquilo a que chamo populismo de esquerda.

Será justo classificar o MAS como um partido que pratica um populismo de esquerda? Apesar dos próprios certamente não se verem assim, alguns aspetos centrais da sua estratégia de comunicação (os slogans pelos quais se quer tornar conhecido) correspondem a uma tentativa de construir um discurso popular atalhando pelo populismo.

Alguns exemplos:

- “prisão para quem roubou e endividou o país” (slogan justiceiro e ambíguo que não se percebe se quer ou não criminalizar as escolhas políticas, que parece misturar quem roubou com quem endividou através das suas escolhas políticas, para além de contrariar a retórica tradicional ultra-revolucionária confiando às instituições burguesas atualmente existentes a resolução dos problemas políticos);

- “fim dos privilégios dos políticos” (slogan que sendo justo em si, e aliás a esquerda no seu conjunto deveria permanentemente quer propor medidas de fim de privilégios disparatados que existam quer tornar claro na sua prática que não entende a política como uma carreira, acaba por falhar ao, no meio da tempestade da crise, centrar as suas energias nos “políticos” como bodes expiatórios);

- “o euro afunda o país” (o mais político destes slogans peca também pela ausência do conflito social e de classe, sugere o euro como causa da crise e a saída como resolução, por si só, tanto uma como outra não são exclusivas da esquerda).

Aliás, a narrativa que se pode tirar destes cartazes que constituem a presença mais visível deste partido não o colocam claramente à esquerda. Muito menos se pode imaginar que se trata de uma esquerda revolucionária. Tal estratégia política e de comunicação é relativamente nova neste espaço político. Aliás, será uma inovação no campo político da organização internacional a que este partido pertence, a LIT-CI, que na mensagem do último congresso se insurgia contra o eleitoralismo, contra “os atalhos para as massas e a construção do partido”, recordando o legado de Moreno e a sua mensagem de “ser mais operário que nunca, mais marxista e mais internacionalista que nunca” e apelando à proletarização.

Claro que se podem sublinhar outros aspetos da política do MAS que entrem em choque com esta leitura. Não pretendo coloca em causa a filiação claramente esquerdista do partido, apenas sublinho a tensão entre os princípios que o animam, a sua estratégia e a forma de comunicação que elegeu. Creio, aliás, que será desta tensão que terá surgido a extravagante proposta de unidade com o populismo de Marinho e Pinto abrigado num partido claramente conservador como o MPT. E creio, também, que a mensagem de uma esquerda anticapitalista não combina bem com estes atalhos. Substituindo a proposta de unidade de esquerda que era a sua desde a sua criação pela proposta de unidade entre esquerda e fenómenos populistas anti-políticos, este partido fica a perder, confunde-se e confunde.

Mas o MAS interessa aqui na medida em que protagoniza uma forma possível de procurar responder à crise da política que poderá ser sintetizada nas ideias de “combater o inimigo com as suas armas” ou de “não deixar o campo do populismo para a direita”.

Pela minha parte, acredito que é uma ilusão que um partido de esquerda radical deva ocupar o campo do populismo copiando partes do seu discurso tal como é um erro acreditar que consiga concorrer no mercado do populismo uma vez que as suas regras não são apenas ditadas por quem é o melhor no exercício da demagogia mas sobretudo por quem tem acesso a meios mediáticos. A cedência ao populismo constitui uma degradação voluntária da sua mensagem que corresponde a uma admissão de derrota da mensagem tradicional da esquerda (neste caso, a ironia é que um marxismo que se acredita ortodoxo a fazê-lo). Esta degradação pode gerar um discurso duplo entre o que se diz para fora e o que se acredita verdadeiramente dentro do partido. E esta degradação não se limita a desconfiar da capacidade de apresentar a sua mensagem desconfia, em última análise, da capacidade do proletariado de absorvê-la simplificando e imbecilizando. Não é por sermos incapazes de transmitir claramente e de forma compreensível a nossa mensagem que devemos atribuir a culpa ao recetor.

O populismo é tóxico para qualquer mensagem política. E sobretudo para a da esquerda. Como já repetimos, o populismo (e os seus significantes vazios) desvia os alvos (os imigrantes, os políticos, a “Europa” etc. constituem as cortinas de fumo em que se tem envolvido este discurso) quando é mais preciso recentrar a análise no projeto autofágico que a burguesia nacional propõe para o país. Ao pretender-se antipolítico, o populismo não se institui apenas como uma crítica saudável da política dominante mas é um bulldozer que arrasta tudo por igual. Mesmo que à esquerda possa haver quem diga que “os políticos são os outros”, acabará enredado na teia da política. Os políticos somos sempre nós do ponto de vista dos outros. E a diferença não se pode reclamar repetindo este tipo de discurso, apenas a partir de outra prática…

O populismo é também tóxico por outra coisa: é volátil, navega à vista das emoções do momento que procura espicaçar ao mesmo tempo que seguir. Começando a política por ele arriscamo-nos a começar a construir dentro do pântano.

O equívoco que parece estar na base desta proposta é o de tomar o senso comum despolitizado, que é já resultado das lutas de classes, de forma linear como revolucionário. A ele responde, diga-se, um equívoco simétrico que remete para uma resposta à crise da política também ela errada: a que aceita essa expulsão como um dado inultrapassável e que faz somente política institucionalizada já não conseguindo dialogar com quem sente a crise da política. Há quem tenha desistido de quem desistiu da política e quem desista da política cedendo à mensagem implícita no discurso da desistência.

A crise da política é, não só mas também, uma forma de dispersão e de exclusão da política dos descontentes que se veem afinal encurralados num discurso político populista que muitas vezes se reterritorializa das formas mais diversas na política dominante. Este descontentamento tem potencialidades criativas ou destruidoras, como é óbvio. Há que trabalhar na contradição percebendo aquilo a que Gramsci chamava “núcleo são” do senso comum. Mas não nos podemos resignar a reproduzir o discurso nos termos em que ele é feito para nos derrotar. Isso é, para continuar a linguagem gramsciana, batalhar pela hegemonia. Claro que as dificuldades (imensas) do campo popular não se podem resolver com uma estratégia de comunicação populista. Não há atalhos populistas para o enraizamento popular.

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