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Uma ninhada perigosa

por João Mineiro, em 24.02.14

 

Decorreu neste fim-de-semana no Coliseu dos Recreios o Congresso do PSD. O partido tentou demonstrar a mais de 900 mil pessoas desempregadas, a 2 milhões de pobres e a milhares de pensionistas e de jovens que emigraram do país que esta nobre e honrada terra corre em ventos brandos para o admirável mundo do progresso, do sucesso e da prosperidade económica. Para isso devem ter contratado nos últimos tempos algumas centenas de assessores de comunicação. Não é fácil explicar a alguém que tem menos salário ou pensão, que não tem emprego, que emigrou ou que vive na pobreza, que o país melhora consoante mais degradada esteja a vida de quem nele vive. Mas isso vai ser a política dos grandes. O que queria mesmo falar é da política dos pequenos. Dos pequeninos. Da jovem ninhada social-democrata.

 

Na boa tradição paternalista e conservadora de dividir a política em termos etários, o PSD criou um quintal para a sua juventude. A JSD lá vai brincando aos políticos no seu parque infantil onde os baloiços são substituídos por odes a entrudos tão incomodativos como tem sido um tal de Hugo Soares, que aparentemente, estranhe-se, é o líder da JSD. Mas o problema é que estes entrudos ganham mesmo vida e de repente, enquanto esfregamos um olho, já são secretários de estado voando da universidade para o aparelho de estado num golpe de magia que faz impressionar os mais céticos.

 

A JSD apresentou uma moção estratégica ao Congresso do PSD. Vale a pena lê-la. É que mesmo que nós achemos que os dirigentes da JSD são meia dúzia de papalvos a brincar à política - e são -, algumas das estranhas criaturas acabam mesmo por se tornar ministros, primeiros-ministros ou secretários de estado. O que levou a Congresso esta nova ninhada de jotinhas?

 

Um país dominado pelo bloco central. Propõe uma reforma do sistema político para que o bloco central consiga dominar ainda mais o país. A ideia é reduzirem o número de deputados para concentrarem a quase totalidade do parlamento no bloco central, ao mesmo tempo que definem círculos uninominais para esvaziar a capacidade dos partidos mais pequenos elegerem. Para ajudar à festa do bloco central propõe ainda um aumento do mandato presidencial para 7 anos.

 

Ajustar contas com Abril. A JSD não tem gostado que o Tribunal Constitucional proteja quem trabalha. Por isso, estes jovens propõem-se a liderar uma grande revisão constitucional. Dizem que os valores de Abril estão ultrapassados. Na verdade, eles têm vergonha dos valores de Abril e concretizam: é preciso acabar com a gratuitidade tendencial dos serviços públicos de educação e de saúde para criar serviços públicos apenas para os pobres. E vão mais longe: é preciso que a segurança social tenha noção de que o Estado não tem dinheiro e que alguns dos seus princípios de solidariedade devem ser abandonados.

 

Criminalizar… o PSD. A JSD diz que há um desfasamento entre os cidadãos e os “políticos” e por isso acha que se deve criminalizar a má gestão pública. Desse ponto de vista, por princípio, nada contra. Isso podia ter duas vantagens. A primeira era a JSD começar a candidatar-se à Procuradoria-Geral da República deixando o Parlamento em paz. A segunda é a de que talvez pudéssemos, com a ajuda da JSD, começar por responsabilizar criminalmente o conjunto de dirigentes do PSD que andou metido na vergonha BPN e aqueles que têm vivido à sombra do Estado há décadas. Por onde querem começar?

Austeridade perpétua. A JSD encontrou a solução mágica para a economia. Consiste em meter na Constituição uma chamada “Regra de Ouro” para limitar o défice. Isto é, passa a ser expressamente proibido e inconstitucional numa altura de crise o Estado poder ser chamado a gastar mais em investimento público para criar emprego e a dar mais proteção social para evitar a pobreza e recessão (como aliás se resolveu a crise de 1929). Trocado por miúdos, a forma de garantir a “sustentabilidade” do Estado é estarmos enterrados até ao pescoço em políticas de austeridade até que alguém decida deitar a “Regra de Ouro” para onde ela tem de estar: no lixo onde estão as piores ideias da história económica, social e política.

 

A JSD é o elefante na sala do congresso. Só que é elefante que fala. É um elefante pronto para, assim que o dono der ordem, se levantar e exprimir com total veemência meia dúzia de frases feitas para testar as hostes.

 

A eloquência digna destes competentes empreendedores do aparelho estado soou no Congresso do PSD como a voz de Hugo Soares soa no Parlamento: acalma as consciências dos conservadores, testa publicamente a repugnância de um projeto ideológico totalizante e envergonha a modernidade que se construiu neste país.

 

É preciso muito cuidado com eles. Eles andam mesmo aí.

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publicado às 12:24

Queremos mesmo ficar a resistir sozinhos?

por João Mineiro, em 25.11.13

 

 

 

A crise que atravessamos é a pior crise da nossa história recente e a que tem tido uma resposta mais autoritária e ultraliberal. A destruição das conquistas históricas do movimento popular, dos trabalhadores e do povo coloca-nos dois problemas fundamentais: o de como resistimos e bloqueamos o ataque; e o de como atacamos, e preparamos uma alternativa para disputar a maioria, tomar e transformar o poder.

 

É sobre essa duas dimensões – a da resistência e a da alternativa – que importa ir ao combate. Se, como toda a esquerda reconhece, este é o maior ataque às conquistas populares de que temos memória deste o 25 de Abril, qual será a nossa missão histórica? Deixar a burguesia aprofundar o processo de exploração até não haver mais quem consuma os seus produtos, o sistema entre em colapso e o povo realmente perceba as virtudes do socialismo, do poder popular e da democracia directa? Ou devemos construir a resistência mais ampla de sempre à destruição dos serviços públicos, da constituição e dos direitos sociais que, no imediato, permitem bloquear o ataque da direita e fazer cair parte do seu programa ideológico?

 

É nesse prisma que nos devemos colocar. No prisma de quem sabe que resistir agora para não deixar que os trabalhadores e o povo percam os direitos que conquistaram é o melhor caminho para mudar a relação de forças e contra-atacar. Isso implica juntar na resistência quem terá muitas divergências sobre o projecto político futuro. É a vida. Nenhuma revolução ou processo de luta de massas se fez sem pessoas com ideias muito diferentes de como organizar a sociedade, a política e a economia a seguir à destruição das antigas formas de poder.

Coloco isto desta forma, meramente para dizer o seguinte: o que se passou na Aula Magna na passada quinta-feira não foi uma evidente demonstração da rendição da “esquerda institucional” à social-democracia decadente, como têm anunciado algumas pessoas nos mais diversos quintais. Bem pelo contrário. Se há forma mais dialéctica de preparar condições para a disputa de massas, é perceber em cada momento que relações de força pode ajudar a trazer mais gente para os combates fundamentais que agregam.

 

O que vi na Aula Magna não foi a “esquerda institucional” rendida. Foram centenas de pessoas do mais diversos espaços de activismo e militância a afirmar que a defesa da Constituição, do Estado Social e da Democracia não são para amanhã, são para agora. Porque eles ainda são o que hoje nos permite resistir à brutal ofensiva do capital sobre o trabalho que vivemos tão nitidamente.

 

E mesmo que na sala houvesse muitos oportunistas, muita gente que começou a destruição do Estado Social que agora diz querer defender, há uma coisa que percebemos: o incómodo dos fiéis da austeridade e do paco orçamental com aquele encontro é justificado e é muito significativo. É que alargar o campo da resistência sem sectarismos em torno da defesa do essencial é a melhor arma para juntar mais gente à luta pelo que é imprescindível: uma sociedade alternativa, uma economia gerida colectivamente, o fim da exploração e do capitalismo.

 

Quem está disponível para esses combates, não está disponível para ficar a falar sozinho.  

 

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publicado às 16:32




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