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Governo local e alianças esquerda/direita

por carlos carujo, em 29.10.13

O PCP participa em governos locais de maioria de direita e convida a direita para os governos locais em que tem maioria. Com a tomada de posse dos novos executivos municipais e a distribuição de pelouros este facto voltou a gerar polémica. O caso de Loures será o capítulo mais recente. Já o caso da Madeira, em que ao que parece fez parte de uma coligação negativa para limitar as atribuições do executivo saído das eleições, é uma peça completamente ao arrepio desta tradição e deverá ser pensado à parte.

Sem entrar em grandes adjetivações, proponho-me rever e analisar alguns dos argumentos oficiais e oficiosos apresentados que fui encontrando da parte de quem defende a posição do PCP. São peças importantes para pensar a política local à esquerda. Contudo, esta apresentação não é exaustiva pelo que corre o risco de não ser totalmente adequada.

1- A tradição: o PCP sempre o fez.

2- A democracia: seria da sua natureza democrática de “dar pelouros” aos outros eleitos e coerente com a posição contra executivos monocolores.

3- A estrutura do poder local: ou seja a natureza diferente do poder local face ao poder nacional que redunda na ideia de que “aceitar pelouros não é coligar-se”.

4- A possibilidade de “trabalhar em prol das populações”.

5- A estabilidade governativa.

 

Vejamos ponto por ponto:

1- Não vale a pena perder muito tempo com o argumento da tradição. Há boas e más tradições. E para quem não esteja de acordo com a posição do PCP este argumento não acrescenta nada. Trata-se de uma afirmação identitária de coerência que o partido gosta de usar.

2- Neste argumento, atribuir pelouros à oposição é apresentado como um princípio mais do que como escolha tática ou estratégica. Ao que sei, o PCP não atribui pelouros à oposição em todo e qualquer caso, pelo que um argumento “de princípio” deste tipo ficará prejudicado. São, portanto, os resultados das negociações políticas que determinam se o tal princípio é ou não concretizado num executivo.

Para além do mais, este argumento corre o risco de misturar duas coisas absolutamente diferentes: uma coisa são as posições sobre as propostas de reformas da lei eleitoral autárquica que pretendem forçar executivos monopartidários outra são as decisões políticas em cada município que determinam a existência ou não de coligações.

2/3- Do ponto de vista da clareza política, um executivo municipal implica uma estratégia e um programa político e não apenas uma soma forçada de projetos necessariamente encaixados para cumprir um ideal “multipartidário”. Isto conduz-nos ao argumento seguinte.

3- Argumenta-se, portanto, que há uma natureza diferente do poder local que não poderia ser confundida com o poder a nível nacional. Participar num executivo municipal não implicaria ser parte de um “governo local” ou coligar-se mas apenas “cumprir o seu programa”.

Aqui o argumento sobre o acordo político local já não decorre apenas do princípio que o partido defende mas da própria estrutura do sistema político. Acontece que tal estrutura por si só não implica este tipo de coligações e que uma Câmara Municipal por mais diferenças que tenha com um governo é um executivo, é um executivo, é um executivo.

A política do “cada um na sua” enquanto ideia de um executivo compartimentado, com pelouros sem ligações em que cada um governaria com o “seu programa”, sem solidariedade institucional com o resto dos parceiros de executivo choca com os pequenos detalhes do costume: há um orçamento que determina as escolhas políticas essenciais do município e que um acordo governabilidade implica que se vote ou se deixe passar, há coordenação entre áreas, há, repita-se, programa e estratégia. O problema transforma-se em se serão compatíveis as estratégias desenvolvimento e de gestão locais da direita e da esquerda (se existem assim tantos “pontos em comum”).

Alguns reforçam a este argumento dizendo que os autarcas, mesmo os da direita, costumam estar na primeira linha de defesa dos serviços públicos locais por exemplo. Nesse sentido seria natural que o arco das alianças fosse absolutamente diferente do nacional. Só que o que é válido para uma luta particular de uma população não justifica um acordo global de governação e os contra-exemplos são poderosos: será que esta tal boa vontade local se pode aplicar ao líder da mais poderosa distrital do PSD agora vereador em Loures?

Outros somam ao argumento uma crítica habitual: quem critica a forma de atuação do PCP “desconhece o modo de funcionamento do poder local”. Trata-se de cobrir o argumento com uma capa de autoridade e uma afirmação de superioridade face aos outros. Quem critica a posição do PCP não desconhece o funcionamento do poder local defende pura e simplesmente algo diferente. Não haverá portanto uma só forma de ver “o funcionamento do poder local” em abstrato mas uma pluralidade em debate.

4/5- Para se justificar ou entrar num executivo de maioria de direita utiliza-se o argumento de “assim pode-se trabalhar em prol das populações” ao passo que para justificar os convites para a direita ter pelouros se utiliza o argumento da estabilidade governativa. Este é, aliás, o argumento do momento. Ora, essa tal da governabilidade não passa necessariamente por incluir no executivo outra força política (nem por se incluir no executivo de outra força política). São possíveis acordos parcelares, negociar peça a peça, governar em maioria relativa.

Tal como “trabalhar em prol das populações” não se faz apenas no executivo. O argumento corre assim o risco de desvalorizar o papel da oposição, da sua capacidade de trabalho, de proposta, de chegar a acordos em questões parciais.

Aliás, o argumento só funciona para quem está auto-convencido de que a sua atuação é boa por natureza e em qualquer caso e desta forma seria necessário aceitar males menores em nome do desígnio maior. Mas e se permitir o reforço da direita ao nível de que serve?

 

Dito isto:

- Apesar desta argumentação parecer ter um limite muito defensivo (justifica-se sobretudo perante quem acredita no PCP) e parecer ter dificuldades em entrar noutras posições à esquerda, concedo que marque pontos em franjas do eleitorado que se sentem confortáveis com o argumento do “vamos trabalhar todos para o bem da nossa terra e esquecer os partidos”.

- De qualquer forma, as críticas que vêm de alguns setores mais politizados à esquerda não se desmontam com soluções retóricas como a distinção “coligação”/ aceitação de pelouros”.

- Toda a argumentação assenta no pressuposto fundamental do “bom trabalho” dos eleitos do PCP independentemente do orçamento aprovado, do contexto local e das circunstâncias políticas. Seria uma verdade absoluta que em qualquer circunstância as populações beneficiariam com a sua participação nos executivos. Ora, para quem não é do PCP é precisamente este pressuposto que será preciso provar.

- Há que admitir que a estrutura do poder local não mimetiza a estrutura do poder nacional. Daí que a estrutura existente que mistura num órgão elementos executivos e não executivos gere equívocos políticos. Argumenta-se habitualmente que o estatuto de um vereador sem pelouro lhe permite um conhecimento melhor do que se passa no município, um escrutínio mais eficaz que se transformaria numa melhor oposição.

Respondo que uma reforma do poder local deve passar sobretudo pelo reforço dos poderes da Assembleia Municipal transformando-a num verdadeiro parlamento do concelho de onde nasce o executivo municipal, com mais frequência nas suas reuniões, com mais poder de escrutínio das decisões tomadas, com o poder de votar moções de confiança ou desconfiança ao executivo, com o poder efetivo de aprovar/reprovar orçamentos. Será uma solução mais clara.

- Creio que argumentos do tipo “vale a pena aceitar pelouros da direita para cumprir uma parte do nosso programa” ou “vale a pena atribuir pelouros à direita porque se torna mais fácil governar” correm o risco de contribuir para a despolitização da política local.

Esta despolitização da política local traduz-se na perspetiva ampla abraçada por camadas da população de que ao nível local “não há esquerda nem direita, só há competentes e incompetentes”, de que “se vota nas pessoas e não nos partidos” etc. A despolitização da política local beneficia a direita e os projetos populistas e não a esquerda.

A esquerda tem tudo a ganhar com a afirmação de que um executivo municipal é um compromisso com um modelo de desenvolvimento local, com um tipo de funcionamento democrático, com uma estratégia (ou não) de redistribuição da riqueza a nível local e de enfrentamento (ou não) com as elites locais parasitárias que se alimentam das benesses dadas por algumas Câmaras.

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publicado às 20:56





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