Saltar para: Posts [1], Pesquisa e Arquivos [2]
Ao mesmo tempo que avança na construção de um discurso pró-transgénicos (explorando as limitações do artigo 401 da Constituição da República) através de propaganda populista na Rádio Pública, o Governo de Rafael Correa anda a licitar o que sobra da Amazónia para extracção de petróleo.
E fá-lo desrespeitando os tratados assinados que garantem os direitos das populações indígenas.
1- Momento da hegemonia: Tudo será como dantes e nada será como dantes.
Tudo voltará a ser como dantes e nada poderá voltar a ser como dantes. Ou seja, não deveremos voltar a viver acima das nossas possibilidades mas voltaremos a viver da mesma maneira como vivíamos antes da crise. Nesta fase, a hegemonia austeritária enuncia-se enquanto ambiguidade e contradição.
A austeridade, dizem, é necessária para pagar as dívidas, para que a troika se vá embora do país e para “voltar aos mercados”. Suspenda-se o juízo crítico (se possível) sobre a natureza dessa dívida, sobre a quem a conta foi apresentada, sobre toda a construção discursiva do moralismo da dívida ou sobre o masoquismo da aceitação desse discurso. Não nos ocupemos do mito mediático desse regresso aos mecanismos obscuros do endividamento pelo lucro especulativo, um argumento pseudo-técnico demasiado fraco para fazer aceitar tão massiva dose de austeridade. Resta-nos a ilusão pós-troika.
A ilusão pós-troika é a política da indefinição de não afirmar o que ficará da austeridade depois da saída da troika no final deste “programa de ajustamento”. A vagueza desta ilusão situa-se algures entre a promessa de alívio insinuada e a ameaça não-dita de eternização da situação atual. A ilusão pós-troika pode ser vista como o mito comedido, o mito político do “do mal o menos”, o mito à medida do tempo das inevitabilidades. Mas é mais que tudo isto.
É também mais do que o oásis do “está tudo a correr como esperado” ou do “há claras melhorias na situação económica”. É diferente, aliás, do discurso dominante nas austeridadezinhas anteriores que costumavam utilizar esse instrumento da invenção do oásis. Não se trata de fazer acreditar no impossível presente (que já está tudo bem), nem tão só de fazer acreditar no possível futuro (que vai ficar tudo bem com o apertar de cinto que trará o crescimento). Não é só essa estafada apresentação do que se quer impor como permanente (a austeridade) como meio temporário para uma finalidade.
Trata-se de afirmar o deserto enquanto oásis e enquanto único futuro possível e desejável. De prometer, celebrando ao mesmo tempo essa promessa como impossível a partir do conjunto de pressupostos assumidos, o regresso ao passado maldito dos direitos sociais. Trata-se da política do paradoxo de breve prazo. Tudo voltará a ser como dantes e nada poderá voltar a ser como dantes.
Daí que implique um regime discursivo diferente, uma dialética brutal acoerente, uma estranha retórica para tempos estranhos.
A ilusão pós-troika afirma o indizível politicamente. Empobrecemos para sermos pobres permanentemente. Os mecanismos de transferência de riqueza do trabalho para o capital vão-se perpetuar. A austeridade é um estado de exceção permanente.