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2- Momento da força num lugar-comum: violência é a austeridade.

 

 

O campo da austeridade necessitará em breve de outras narrativas para continuar o seu caminho de quebra do “contrato social”, ou seja do equilíbrio de forças relativamente estabilizado na Europa ocidental. A ilusão pós-troika é apenas um capítulo do estado de exceção permanente austeritário.

Só que a justificação ambivalente da exceção talvez permaneça, uma vez que está inscrita na própria forma do que é o “estado de exceção”: um momento em que a lei está em vigor e suspensa ou melhor está suspensa para supostamente se cumprir o seu suposto espírito que estaria ameaçado. Aliás, enquanto discurso de poder, a resposta austeritária à crise vem na sequência do discurso securitário do pós-11 de Setembro e da “guerra ao terrorismo” que se impuseram como estado de exceção permanente propondo a suspensão permanente de direitos cívicos e de garantias democráticas em nome da democracia. Da mesma forma, há agora uma suspensão de direitos sociais básicos que se eterniza para os garantir através da sua anulação. E o encontro entre estado de exceção político e estado de exceção social pode criar técnicas e tecnologias de poder terríveis.

É no contexto de um empobrecimento permanente e de um aumento ineludível das desigualdades sociais que a questão da violência entra em campo. Já estava muito presente nas conversas informais, entrou agora no discurso político mediático.

Nesta sua encarnação mediática, a violência não é uma tática de luta política nem um sonho de vingança simbólica. É uma ameaça que paira sobre a sociedade, que se reconhece como quase inevitável e que se deve prevenir. Descontados alguns lapsos, falar desta forma sobre violência não é legitimá-la mas constituir-se como o profeta que lança um aviso: “mudem de políticas ou a violência surgirá…”. Tão sábio quanto benevolente, o profeta lança este aviso dirigido aos seus pares ao mesmo tempo que refere esse “outro” social enquanto agente disponível para a violência. Esperto, procura fazer malabarismo com o medo da turba para benefício da sua agenda de resistência.

Só que se a próxima encarnação mediática da violência for perante qualquer caso concreto, este discurso dos profetas do óbvio não resistirá e talvez se revele “responsavelmente” temperado para se proteger da acusação de apologia da violência. Perante qualquer ato de violência originado na fome e no desespero serão os discursos papões para assustar “classes médias” que ocuparão todo o espaço público. Diz que o medo não é progressista e que o outro violento somos nós…

As núpcias entre estado de exceção social e estado de exceção política, a violência preventiva e repressiva para defender os cidadãos de bem, carregam em si possibilidades de novos fascismos. Como, aliás, também as odes apolíticas à violência contra os “políticos”, esses corruptos. Será preciso responder-lhes antecipando. Assim como é urgente responder sempre que a violência já é o quotidiano que nos foi imposto. Lugar-comum, claro. Mas um tempo de estado de exceção pode ser o tempo da coragem de voltar aos lugares comuns, de fazer um comunismo dos lugares comuns. Porque os lugares-comunistas podem ser uma arma.

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publicado às 21:31

Sem programa, não há política

por João Mineiro, em 28.11.13

 

 

No fim-de-semana passado fui ver um concerto e vi à porta algumas pessoas a recolher assinaturas para o LIVRE. Lembrei-me que embora tenha tido vários impulsos e muita vontade de escrever, ainda não tinha escrito nada sobre o novo partido, que diz que vem para desbloquear a esquerda.

 

Acho que só não o fiz pelo menos por dois motivos. Primeiro porque não gosto especialmente de discussão metafísica a martelo. Isto é, custa-me bastante tecer grandes argumentos sobre a estratégia política de um partido cuja carta de princípios se centra em grandes universos de significados existenciais. Neste caso é a ecologia, a europa, o socialismo, a esquerda, a democracia, o universalismo. A avaliar pela explicação tão simplista e pouco cuidadosa de cada um, são estes como podiam ser outros. Em nenhum dos seus grandes conceitos universais vai ao essencial: qual é o seu programa e em que diferente das restantes forças já existentes nesses princípios?

 

O segundo motivo porque ainda não tinha escrito é porque me irrita centrar a discussão política em torno do feitio das pessoas, dos partidos, bem como em torno de poesia e grandes metáforas. Isto é, dizer que “uma esquerda que cada um puxa para o seu lado não vai para a frente”, ou dizer que o problema da convergência à esquerda é um problema dos feitios dos partidos de esquerda que não se querem juntar é pouco estimulante, além de demagógico e populista. É que em nenhum momento as metáforas poéticas sobre o mau feitio das esquerdas vão ao essencial: ao programa. É que se a questão da convergência é o tema central do LIVRE então já passava das parábolas e explicava o que é que propõe como programa de convergência para a esquerda.

 

Para lá da espuma dos dias, o que vai o LIVRE defender como programa de convergência? Quer manter-se no Euro a que custo? O que acha da troika e de como nos devemos livrar dela? Como se posiciona sobre o federalismo? O que acha da austeridade antes e pós memorando da troika? Deve ser aplicada de forma inteligente ou deve ser parada na sua totalidade? Acha que existe austeridade com crescimento económico? Se recusa o pacto orçamental europeu, exclui o PS de um acordo político, uma vez que o PS o aprovou? E sobre os serviços públicos, revê-se nas políticas recentes do PS de que o Decreto 70/2010 é só a face mais violenta? E o que pensa sobre a política geral do PS nos últimos anos (privatizações, código do trabalho, PECs, cortes nos apoios sociais, reforma da saúde…)? O LIVRE acha que o PECIV era a salvação do país? Para o LIVRE quais são as condições mínimas para um Governo de Esquerda? Revê-se na opção da esquerda democrática grega ou na refundação comunista em Itália? E se o PS não se revir no seu programa mínimo, até onde estão dispostos a ir? Porque acha que o PS votou contra a renegociação da dívida proposta no parlamento? E porque acha que preferiu discutir com a direita um governo de salvação nacional do que com a esquerda a demissão do governo e a construção de um programa de esquerda alternativo?

 

Decidi escrever hoje, não sobre o LIVRE, mas sobre porque é que acho que até agora o LIVRE é uma não discussão. É que até ver, para além da poesia, das metáforas, de um site bonito e do mediatismo do seu protagonista, falta o essencial:

 

Qual é o programa do LIVRE para derrotar a troika, a política de austeridade, fazer convergir a Esquerda e vencer o capitalismo?

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publicado às 16:56




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