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Já lá vai mais de um ano. A minha viagem à Palestina decorreu entre 10 e 15 de Novembro de 2012, no âmbito da “Semana Internacional da Juventude”, organizada pela Autoridade Nacional Palestiniana (ANP). Durante aqueles dias percorremos toda a Cisjordânia, visitando cidades como Hebron (Sul), Nablus (Norte), Qalqilya ou Belém. Embora reduzido, o tempo ali passado foi suficiente para compreender a obscena realidade da ocupação israelita. Os checkpoints, o “muro da vergonha” que segrega os Palestinianos, as aldeias destruídas, os campos de refugiados, as partes restritas das cidades árabes, os colonatos (cidades e bairros israelitas construídos em locais onde anteriormente se encontravam povoações palestinianas, entretanto destruídas). A pobreza, a falta de condições, as inúmeras estradas interditas aos árabes ou os vastíssimos terrenos deixados ao abandono, onde o lixo se acumula. A ocupação sionista tem consequências em todas as dimensões da vida de um Palestiniano. Eram sempre dois os elementos comuns àqueles com quem travei conhecimento: familiares mortos às mãos do exército israelita e familiares obrigados a emigrar, a fugir da sua própria terra. Uma panóplia de acontecimentos, histórias e imagens povoam a minha memória. Hei-de aproveitá-las para escrever outros textos, abordando diferentes impressões desta viagem. O que agora pretendo contar são três episódios que experienciei e que me elucidaram relativamente à prepotente actuação dos soldados israelitas, e à forma como a ofensiva ideológica penetra profundamente no imaginário de uma importante parte dos cidadãos israelitas.
Enquanto em Portugal o dia 14 de Novembro de 2012 ficaria marcado por uma das maiores repressões policiais de sempre, eu testemunhava, na Cisjordânia, os aterrorizadores métodos de coerção levados a cabo por uma das maiores potências militares do mundo. Naquela data realizavam-se, por toda a parte, acções de rua e manifestações pela libertação da Palestina. Em conjunto com dezenas de outros activistas europeus, segui para algumas acções, que consistiam em bloquear estradas de acesso aos colonatos. Visto tratarem-se de acções surpresa, não nos foi dito com exactidão para que locais nos dirigíamos. Na primeira paragem, deparamo-nos com uma enorme fila de carros, provocada pela barreira humana que vários activistas, mais à frente, já construíam. Saímos do autocarro, de bandeiras em riste, prontos a entoar algumas palavras de ordem. Pouco depois, imperava uma terrível sensação de asfixia. O exército israelita já lá chegara, e a sua presença era notada por um motivo particular: o gás lacrimogéneo que pairava na atmosfera, lançado para dispersar os manifestantes. Lacrimejamos e sentimo-nos intoxicados. Era agora possível vislumbrar a verdadeira face do regime sionista. Pela primeira vez, eu experienciava os efeitos do gás lacrimogéneo. Pela milésima vez, os activistas palestinianos sentiam na pele os mesmos efeitos, já que o método é extremamente usual naquelas circunstâncias. Saindo do carro, um israelita pergunta-nos, em tom irónico, quem somos e o que ali fazemos. “Porque é que se vêm manifestar para aqui? Façam-no nos vossos países! Bem-vindos a Israel!”, grita, rindo-se.
O apertado controlo do exército e a sua ininterrupta vigilância leva-o a reprimir em tempo recorde. Os recursos militares disponíveis proporcionam uma monitorização quase ilimitada. Nas acções seguintes, embora tenhamos conseguido demonstrar o repúdio à política de ocupação israelita, os militares chegavam num ápice, obrigando-nos a desmobilizar. Armados até aos dentes e munidos de portentosas metralhadoras, são ensinados a odiar os árabes e a considerá-los terroristas. A propaganda ideológica israelita molda-lhes o pensamento e as vontades.
Seguimos para nova acção. Desta feita, somos parados pelo exército durante o percurso. Arrogantemente, o soldado obriga o condutor Palestiniano a identificar-se e, apercebendo-se de que este transportava um grupo de activistas, retira a chave da ignição, guardando-a. Somos impedidos de continuar. Um membro da ANP aconselha-nos a abandonar o autocarro e a prosseguir a pé. Assim fazemos. Indignados, seguimos com as bandeiras Palestinianas levantadas e a cantar as palavras de ordem. Depois de caminhar 300 metros, ouvimos o jipe do exército, que se dirige velozmente até nós. Um dos soldados sai e aproxima-se bruscamente, empunhando uma metralhadora. Dá a sensação de que se prepara para disparar. Os ânimos exaltam-se, distinguem-se gritos de pânico. O militar não dispara, mas agride um dos activistas, que cai ao chão. Escapamos pela berma da estrada, atravessando um terreno árido em direcção à bomba de gasolina que dali se avistava. O momento de aperto passa, mas fica patente a frieza e agressividade com que se trata quem ousa pôr em causa o apartheid do século XXI. Se, em vez de activistas europeus, aquele grupo fosse maioritariamente constituído por Palestinianos, não tenho dúvidas de que o soldado dispararia convictamente. É o que acontece em muitas ocasiões.
Muitos pormenores são deixados por contar, mas aqui transmito alguns dos momentos mais tensos que já vivi, no seio de uma ocupação militar mantida com o apoio do imperialismo norte-americano. A narrativa construída em torno deste conflito, amplamente veiculada pelos órgãos de comunicação social convencionais, vota ao simplismo uma realidade complexa, caracterizada pela discriminação, opressão e violação dos mais básicos direitos humanos, civis e políticos. Um último episódio ilustra na perfeição o desprezo e a indiferença que uma parte dos cidadãos israelitas nutre face ao poder das amarras que constringem os Palestinianos, no quadro da hegemonia ideológica sionista. Na última acção de bloqueio de estradas, e quando alguns activistas se posicionavam para impedir a passagem dos carros em direcção aos colonatos, um carro Israelita acelera e passa a alta velocidade, abalroando um dos rapazes que ali se encontrava. O condutor segue viagem, sem olhar para trás. Felizmente, a investida apenas provocou ferimentos ligeiros àquele activista. Mas tal lamentável atitude é sintoma da leveza com que se consideram os justos anseios de um povo humilhado e enclausurado. Muito se fala nas saídas para este conflito, referindo-se a constituição de dois estados como a solução mais viável. Essa é até a posição oficial da própria ANP. Contudo, a meu ver, tal alternativa é uma falácia. Israel nunca vai permitir a existência de um estado Palestiniano. Mesmo depois do mais recente reestabelecimento de negociações entre ambas as partes, Israel continua a construir colonatos, a destruir cidades árabes, a alargar os muros e a arrasar física e psicologicamente os Palestinianos. Afinal, até que ponto a própria ANP, promotora de uma política de conciliação com Israel, serve os interesses da população? Estará disposta a estimular a mobilização e a empreender os métodos de luta necessários à libertação? Tenho muitas dúvidas, mas guardo-as para uma futura reflexão.
Este texto do Castro Caldas, de 2011, ilustra bem porque é que, a meu ver, a esquerda que acha que a história ainda não acabou e que quer mesmo mudar as coisas não deve cair no erro de se juntar a partidos que, debaixo do manto da esquerda, fizeram tudo demasiado parecido aos de direita. Se não defendemos o que acreditamos, e só o "menos pior", acabamos a ser como el@s. Por último, a falta de unidade da esquerda nos assuntos essenciais é uma mentira: alguém que ma queira provar diga-me quantas (e quais, já agora) votações na AR o Bloco e o PCP não votam juntos. O PS não vota a favor de propostas para combater a pobreza infantil (um exemplo entre tantos outros), deve ser certamente "porque somos sectários" e "não os sabemos puxar para a esquerda".
"Acho que descobri por que é que a encenação de discórdia entre os “partidos do arco da governação” é tão insuportável. Porque violenta a lógica, transformando uma conjunção de verdades numa falsidade.
O PS acusa o PSD de querer privatizar tudo e mais alguma coisa. É verdade. O PSD lembra que o PS tem sido o campeão das privatizações. Também é verdade. O PS diz que o PSD quer uma saúde para ricos e outra para pobres, destruindo o SNS universal e tendencialmente gratuito. É verdade. O PSD lembra que o PS não se cansa das parcerias com o privado que entregam a gestão dos hospitais aos privados e está a privatizar o SNS. Também é verdade. O PS acusa o PSD de querer destruir o Estado Social. É verdade. O PSD responde que o PS, dizendo defender o Estado Social, tem vindo a destrui-lo de facto. Também é verdade.
Os partidos do “arco da governação” que estão de acordo no acordo com a troika defendem o Sector Público Empresarial, o SNS e o Estado Social. É falso. Conclusão: da conjunção de verdades resulta uma falsidade."
Daqui: http://ladroesdebicicletas.blogspot.pt/2011/05/sob-o-manto-diafano-da-verdade.html
Tempos de austeridade são tempos de flagelação dos povos. São tempos de sacramento e odes à ideia única e totalizante de que para nos salvarmos temos de assumir a nossa culpa e confessar os nossos pecados. Tempos de austeridade são tempos de amar os credores financeiros sobre todas as coisas, pois neles reside a salvação das nossas vidas. Tempos de não invocar a santidade dos mercados em vão. Tempos de honrar a castidade e a abstinência na vida, de orientar os espíritos pela auto-contenção.
Há qualquer coisa de sacramental na ideia da austeridade. Nós, povos do Sul, pecámos. Gastámos o que não tivemos e pedimos emprestado sem ter condições para pagar. Nós cobiçamos a riqueza de outros povos e de outros países. Pecámos. Vivemos acima das nossas possibilidade. E agora, nenhuma alternativa teremos àquela que purifica as almas e os espíritos: confessar o pecado, pedir a absolvição e autoflagelarmo-nos para nos salvarmos.
É esse o sagrado. E o contrário é profano. Seremos punidos se não rejeitarmos a profanidade daqueles que não assumem o pecado e que, nas artérias subterrâneas da blasfémia e do sacrilégio, insistem em não se curvar perante os salvadores. Profanos que dizem que a austeridade é um saque aos povos. Profanos que dizem que não devemos pagar dívidas cuja responsabilidade é de outros. Profanos que nos dizem que é preciso enfrentar os nossos alegados salvadores. São esses, profanos, blasfemos, que é preciso evangelizar, domesticar e converter.
Jean Lauand da Faculdade de Educação da Universidade de S. Paulo e Dario Fortes Ferreira e Márcio Fernandes da Silva, todos ex-membros da Opus Dei, publicaram em 2005 Opus Dei – os Bastidores onde revelam as práticas mais bárbaras de autoflagelação praticadas dentro da instituição. Em entrevista os autores chegam a afirmar:
“Todos usavam [cilício],não só eu. Duas horas por dia. E as disciplinas, autoflagelação, uma vez por semana enquanto dura uma oração, por exemplo, uma salve-rainha” (Jean Laudand)
“[o cilício]Parece uma coleira de cachorro com pontas de ferro que penetram na carne. Você encaixa e faz pressão na perna. É significativo, porque mostra o grau de controle mental que a instituição consegue sobre o indivíduo” (Mário Silva)
Entrevista em: cin.ufpe.br
Em 2008, a Sábado já nos tinha mostrado numa ótima peça jornalística quem dirige a Opus Dei em Portugal e mais recentemente foi notícia a nomeação de um gestor financeiro da Opus Dei para adjunto do Ministro das Finanças. É pois natural uma contaminação dos universos.
Num documento interno que saiu fora dos rigorosos códigos de segredo da organização, constavam algumas recomendações para se descobrir o que motiva um devoto a perder a fé. Os investigadores pastorais devem saber que amizades a pessoa cultiva, se tem conselhos espirituais fora, qual é a sua correspondência, que livros leem, se está a passar por problemas económicos ou se vive dificuldades no casamento.
Há pois muito da obscuridade da Opus Dei nestes tempos que enfrentamos. Não apenas muita gente dessa seita nos lugares que governam o país e o mundo, mas sobretudo uma narrativa que se encrusta nas ideias coletivas e individuais, que neutraliza alternativas e que faz com que, como no uso do cilício na Opus Dei, vamos tolerando que nos ferrem o aço na carne.
O fomento disciplina (contenção em todos os domínios da vida), a autoflagelação (temos de pagar e sofrer porque vivemos acima das nossas possibilidades), a obediência ao culto e ao chefe (não se pode afrontar os mercados e os credores), a pregação da penitência (temos de fazer cortes, se queremos continuar a viver) são assim lugares comuns que nos vão fixando os açaimes.
Mas enquanto não desprendemos as amarras, enquanto o cilício nos vai pressionando a carne, é bom lembrar que na história, como na vida, há sempre um momento em que o poder se dilui na grandeza dos povos que se levantam do chão. Nesse momento, o futuro da humanidade não será mais, como escrevia Orwell, uma bota na nossa cara para eternidade. Será, pelo contrário, aquilo que dele fizermos.
E as ruas já vão sabendo a essa explosão.
Uma entrevista "patriótica" - "pátria" e "patriotismo", não sendo o mesmo que "nacionalismo", também não são o mesmo que "soberania" ou "soberania popular" - do porta-voz do movimento que quer disputar as eleições europeias, mas que não "pretende ser um novo partido", ainda que saiba que só partidos políticos podem disputar essas eleições. A questão é que, não pretendendo "ser um novo partido", afirma também que "não será por razões jurídicas, com certeza, que isto não avança".
Perceberam, não perceberam?
É claro que um tal "manifesto patriótico", depois de ignorar olimpicamente a força política de Esquerda que mais força política, social e eleitoral tem ganho, o PCP, só poderia ter a ambição de colocar o PS como seu principal interlocutor. Tudo, pasme-se, para tentar evitar que o PS seja o que sempre foi, é e não se perspectiva que deixe de ser: a reserva de boa consciência social do regime que, sempre que necessário, estende a mão, em nome do supremo "interesse nacional", claro está, dos partidos da direita - atente-se, só para recordar o caso mais recente, no acordo de regime incidente sobre a reforma do IRC.
Não são só os partidos que são "instrumentais". A "unidade" e as "convergências" também o são, isto é, representam instrumentos ou plataformas potencialmente mais eficazes, porque mais vastas, aglutinadoras e mobilizadoras, para a execução de um programa político. Portanto, o essencial mesmo é o programa e é em seu torno, e não o contrário, que gravitam todas as outras questões.
Por isso mesmo é que nas próximas eleições Europeias "as convergências" não se podem cingir à consensualização da necessidade da nossa própria unidade ou há rejeição simples da austeridade. Não há como fugir dos problemas. A austeridade é o nosso grande problema, pois é. Mas há forma de a desconstruir ideologicamente e de a combater, em sede de eleições europeias, sem se dar uma resposta clara sobre o modelo de União Europeia defendido - se é que se a defende -, ou sobre a nossa manutenção ou saída do Euro? Dos manifestos espera-se que representem "coligações negativas" onde se diz: "por aqui não vamos". De um partido e de uma lista candidata às Europeias espera-se mais do que isso: exige-se um programa. É essa unidade que é necessária.
Sou da opinião que nestes tempos de barbárie, a esquerda que quer ser esquerda não deve ambicionar menos do que vencer. Juntar milhares de pessoas em torno de ideias, de um programa e de um movimento popular permanente que sustente uma mudança estrutural na relação de forças em Portugal e na Europa. E para isso a disponibilidade para discussões em torno do que une e do que agrega e em torno de uma unidade que sustente uma verdadeira alternativa política é indispensável.
Há neste aspecto uma proposta do Bloco e do PCP de construção das bases para um Governo de Esquerda que tire Portugal da tirania financeira. Há um PS que pelo que defende e tem aplicado não conta nesta equação. Há uma proposta vaga e populista do LIVRE para unir a esquerda sem um programa de esquerda. E há agora o Manifesto 3D.
Não acho que o Manifesto 3D se possa resumir aos seus proponentes. Ele é o espelho de um sentimento que vai ganhando peso na sociedade portuguesa para mudar este estado de coisas. E gosto de muitas das pessoas que propõe o movimento e de muitas das quais o subscreveram. Muitas dessas pessoas sei que são pessoas honestas, com bons princípios e verdadeiramente empenhadas numa mudança de Portugal e da Europa à Esquerda.
Não acho pois que devam de nenhum modo ser hostilizadas. Até porque propõe o mais razoável: uma unidade na que consiga “recusar a submissão passiva de Portugal a uma União Europeia transformada em troika permanente”.
E se acho que a política se faz em torno do programa este manifesto propõe uma linha política clara no seu texto:
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Nove pontos razoáveis. Mas que por princípio tipificam essencialmente aquilo em que estamos contra. Estamos contra esta União Europeia, a austeridade, o memorando e os resgates (com este ou outro nome), a usurpação do sistema democrático pelo sistema financeiro, as desigualdades e injustiças sociais e económicas e a defesa do Estado Social. É por estarmos contra isso que defendemos o oposto: devolver dignidade ao trabalho, afirmar o carácter público dos sectores estratégicos, erradicar a pobreza, proceder a uma renegociação da dívida.
Mas para juntar e para vencer nestas europeias sabemos que não chega. Há pelo menos quatro pontos fundamentais que o movimento 3D e quem nas suas ideias se sente representado deve responder. Dessas respostas depende a sua vitória. E provavelmente a mudança da relação de forças em Portugal.
Se estivermos de acordo nisto, então acho que temos caminho para fazer em conjunto. Na verdade, construir uma maioria ganhadora em torno deste programa seria provavelmente a mudança mais decisiva na luta dos povos e na luta de classes das últimas décadas.
Não devemos fechar as portas a essa oportunidade.
Tendo em conta as últimas iniciativas oriundas dos mais diversos quadrantes da esquerda portuguesa no sentido de unir a dita cuja, considero que isto começa a ser demasiada união para tanta esquerda. Nesse sentido, proponho uma série de questões com o objectivo assumido de voltar a desagregar a esquerda de forma a que ela volte a debater ideias e propostas.
Poderia avançar com outras questões importantes como a esquerda propor a mudança de côr do facebook ou a criação de um botão de “não gosto”, mas penso que estas 10 temáticas já serão suficientes para manter a esquerda desavinda nos próximos 10 anos, pelo menos.
Não se questionam as boas intenções e a genuína preocupação com a situação da Europa, do País, das classes trabalhadores e da Esquerda que estas movimentações revelam. Por outro lado, também não se questiona que esta pudesse ser uma boa resposta da Esquerda ao seu estado actual de refluxo. O que verdadeiramente me deixa de pé atrás é, uma vez mais, o processo - o processo é, por vezes, bem revelador dos pressupostos materiais e programáticos em que assentam os projectos...
Quer dizer: este neo-sebastianismo redentor da esquerda discutido, preparado, decidido e executado sempre nos corredores, sempre pelas mesmas elites - ou as comissões, políticas ou organizativas, ou as tais "personalidades da vida pública nacional" - que negam autocompreender-se como "vanguarda", mas que se comportam, de facto - ainda que de forma incompetente -, como tal.
No fundo, o que mais me preocupa é a generalização, no «senso comum do povo da esquerda», da ideia de que os nossos problemas têm origem, sobretudo, em conflitos menores de personalidades, na falta de "vontade das direcções partidárias e seus aparelhos em construir a unidade". O problema desse diagnóstico não é apenas a sua incorrecção - melhor dizendo, a sua correcção parcial-, mas sim as consequências da sua assunção junto do "povo de esquerda".
O que divide hoje a esquerda, sobretudo em questões Europeias, não são as "intenções desconexas" dos seus principais dirigentes, mas antes questões políticas de fundo. Será possível construir uma lista unitária de Esquerda que junte Federalistas - como Rui Tavares e muitos sectores próximos do PS-, defensores da saída de Portugal do Euro - como se depreende deste importantíssimo texto do João Rodrigues, Nuno Teles e Alexandre Abreu (já nem falo das dificuldades em integrar o PCP) - e o Bloco que, estagnado no seu abstracto e imperceptível "Europeísmo de Esquerda", se afirma contra o Federalismo e, por enquanto (?), contra a saída do Euro?
Possível é sempre - então com eleições à porta... -, mas não me parece que uma unidade assim alicerçada pudesse subsistir durante muito tempo. É que, convém sempre recordar, a durabilidade dessa unidade, porque inserida num contexto político e ideológico de uma pluralidade complexa, como atrás de notou - não se garante com esta ou com aquela "personalidade federadora".
Acredito e espero que deste importantíssimo debate sairão conclusões, clarificações e ajustamentos à Esquerda. Espero é que surjam não pelas eleições, mas apesar delas.
Acabei há minutos de assistir ao filme Hannah Arendt, e se tinha já ficado a matutar aquando de algumas passagens do filme, o seu termo aprofundou esses pensamentos. Antes de fazer a sua apresentação e discussão devo, todavia, deixar bem claras algumas coisas.
Em primeiro lugar, a análise que farei é exclusivamente isso, uma análise. Tem uma intenção reflexiva e não uma intenção programática.
Segundo, ainda que a minha própria ideologia seja – como sempre deve ser – alheia ao sentido da análise feita eaos seus méritos, é importante, antes de suscitar no leitor qualquer interpretação mais delirante, afirmar-me de Esquerda, pelo que nada do que escreveu deve ser entendido como qualquer elogio.
Finalmente, que as comparações que traçarei na análise têm bem presentes a diferente escala e amplitude dos contextos comparados, o que significa que estou a comparar mecanismos e modos de pensamento, e não qualquer plano ou horizonte politico-militar e civilizacional.
Colocadas estas ressalvas, o que me fica da experiência deste filme e, mais importante, do conteúdo do trabalho de Hannah Arendt relativamente à figura de Eichmann e do seu lugar na História? Duas notas.
A primeira nota prende-se com a natureza da argumentação de defesa apresentada por Eichmann: que qualquer juízo moral associável à sua conduta não o assistiu durante a mesma (ou não foi, pelo menos, o principal contributo para essa conduta) uma vez que toda ela decorreu do estrito cumprimento de um mandato hierárquico, adquirido aquando do seu juramento ao regime, às suas prerrogativas, e ao seu líder. Esta argumentação é profundamente weberiana: de um lado, a expressão absoluta – ainda que absurda – de uma racionalidade instrumental levada ao seu extremo (o cumprimento de uma ordem hierárquica assim de qualquer juízo de valor, de natureza moral ou outra); de outro, a adesão ao carisma do líder, a cuja instrução não se opõe qualquer resistência.
Por diversas vezes ao longo do filme me ocorreram paralelos com a actual situação da Europa, e com o exercício da gestão moderna feita por uma classe política plenamente convencida da superioridade e infalibilidade dos seus critérios de racionalidade matemática. A todos, num ou noutro momento, foi possível ouvir argumentações de defesa face ao descalabro resultante da sua acção muito próximas das utilizadas por Eichmann: cumprem ordens, ou antes, limitam-se a executar programas inevitáveis, aos quais qualquer juízo de valor moral é absolutamente estranho. Também colocados perante a consequência dos seus processos de decisão é possível escutar a este ou aquele líder – eleito com base num tipo semelhante de carisma àquele que levou uma significativa parte da população alemã a eleger Hitler – que a sua responsabilidade termina onde o seu contributo também terminam, e que tudo o que são consequências finais de um processo onde foram apenas uma das partes não devem, portanto, ser-lhes imputadas. Não comandam a máquina, apenas constituem uma das suas peças, pode interpretar-se. Curioso que o digam, num meio político pejado de especialistas em Direito, onde qualquer um poderia rapidamente dizer que se é co-responsável por um crime mesmo não se sendo aquele que prime o gatilho.
A segunda nota prende-se com a conclusão a que chega Arendt, relativamente à negação da identidade própria em que assentou parte da defesa de Eichmann, e ao lugar decisivo que esta atribuiu ao pensamento como base estruturante dessa identidade. Segundo a autora, negando-se a pensar, o indivíduo nega a sua identidade enquanto ser, excluindo-se desta e dos critérios que se lhe aplicam. Não se é humano se não se pensar ou não se decidir algo a partir desse pensamento. E não se tendo pensado não é possível assumir a responsabilidade de actos irreflectidos que não praticámos.
Aquando desta argumentação pensei imediatamente no comportamento de boa parte dos nossos cidadãos e das nossas cidadãs. De como, com frequência, se excluem de pensar a Política, como se a exclusão de pensar a Política não fosse, também ela, um acto político. Mas mais importante que isso, é a negação do pensamento sobre um assunto utilizada como estratégia de desresponsabilização da consequência dos processos dos quais, tendo-nos excluído, queremos ser isentados: “não pensei, não agi, a culpa de quem agiu não pode ser minha, que nada fiz”. Em certa medida, todo aquele que se exclui de participar activamente – pois que excluirmo-nos é uma forma de participação negativa – em processos de natureza política utiliza uma argumentação muito próxima à de Eichmann. E nem abrirei o flanco de debate sobre a profunda incoerência e hipocrisia que constitui o facto de nos (pretensamente) nos excluirmos dessa forma do processo mas reservarmo-nos o direito a usufruir dos direitos conferidos por esse mesmo mundo do qual tentamos excluir-nos.
Sem prejuízo da herança weberiana a que fiz já referência, e que enquadra em grande medida o mundo em que vivemos desde o século XiX, ambas as notas podem conduzir-nos a uma assustadora conclusão: em mais do que nos é confortável admitir, a forma como vivemos é, em alguma medida, uma herança de um pensamento racional instrumental de que o nazismo foi a mais negra das concretizações. Os exercícios de desresponsabilização em que incorremos com frequência, seja por inserção estrutural numa qualquer organização burocrática, seja por negação da nossa existência enquanto ser pensante, constituem uma espécie de triunfo post mortem do nazismo: quando as coisas correm mal, a culpa é das ordens que seguimos ou, plano B sempre à mão, não pensámos, e não tendo pensado, não pode ser-nos atribuída qualquer culpa. A dita, nestas coisas, quando não é solteira, é casada com outro.
Talvez, à distância - e é com grande pesar e preocupação que chego a essa conclusão - o nazismo tenha deixado mais sementes no nosso imaginário do que estamos dispostos a admitir. Olhando a política interna israelita, por exemplo, é difícil não chegar a essa conclusão. E pensando na conduta absolutamente irresponsável e criminosa de demasiados políticos, banqueiros de investimento, e especialistas em Direito, parecemos viver efectivamente num mundo de negação constante, e de dano contínuo das vidas daqueles a quem nos separa não apenas a distância e o grau de riqueza, mas a própria humanidade.
O problema é que este cartoon parte de um pressuposto errado: o de dividir entre Esquerda e Direita, colocando na Esquerda os que nem sempre são de Esquerda. Há os que são de Esquerda, os que se dizem de Esquerda (sem serem), os que apenas são de Esquerda estando na oposição mas são de centro ou mesmo de Direita quando estão no poder, os que são de Esquerda à 2ª, 4ª e 6ªs feiras sendo de direita às 3ªs, 5ªs e sábados (ao domingo são de centro) e os que são de Direita!
Depois da noite de temporal na Madeira, ficou assim a bandeira desta Região Autónoma: em farrapos! Como Alberto João deixou os madeirenses!
Querem construir lindos estádios para encher de pessoas, estrangeiros e brasileiras, com dinheiro para pagar os bilhetes, para pagar a prostituição, para encher o Bourbon e restantes hóteis de 5*. Mas pagar os trabalhadores que constroem esses estádios com o seu suor (e que nem vão ter dinheiro para ir ver os jogos) é muito dificil para a empresa criada propositadamente para, precisamente, pagar os salários aos trabalhadores da construção.
Já que não basta isso, os patrões que devem salários pediram 20 dias para regularizar a situação. Oferecendo uma lição de dignidade, o Sindicato recusou e convocou greve porque "o salário é um direito", mesmo que seja miserável como são quase todos os salários brasileiros no privado. Trabalhar para aquecer debaixo de 28ºC primaveris não é bem o ideal do trabalhador da construção civil brasileira, nem de nenhum ser humano.