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Já lá vai mais de um ano. A minha viagem à Palestina decorreu entre 10 e 15 de Novembro de 2012, no âmbito da “Semana Internacional da Juventude”, organizada pela Autoridade Nacional Palestiniana (ANP). Durante aqueles dias percorremos toda a Cisjordânia, visitando cidades como Hebron (Sul), Nablus (Norte), Qalqilya ou Belém. Embora reduzido, o tempo ali passado foi suficiente para compreender a obscena realidade da ocupação israelita. Os checkpoints, o “muro da vergonha” que segrega os Palestinianos, as aldeias destruídas, os campos de refugiados, as partes restritas das cidades árabes, os colonatos (cidades e bairros israelitas construídos em locais onde anteriormente se encontravam povoações palestinianas, entretanto destruídas). A pobreza, a falta de condições, as inúmeras estradas interditas aos árabes ou os vastíssimos terrenos deixados ao abandono, onde o lixo se acumula. A ocupação sionista tem consequências em todas as dimensões da vida de um Palestiniano. Eram sempre dois os elementos comuns àqueles com quem travei conhecimento: familiares mortos às mãos do exército israelita e familiares obrigados a emigrar, a fugir da sua própria terra. Uma panóplia de acontecimentos, histórias e imagens povoam a minha memória. Hei-de aproveitá-las para escrever outros textos, abordando diferentes impressões desta viagem. O que agora pretendo contar são três episódios que experienciei e que me elucidaram relativamente à prepotente actuação dos soldados israelitas, e à forma como a ofensiva ideológica penetra profundamente no imaginário de uma importante parte dos cidadãos israelitas.

 

 

Enquanto em Portugal o dia 14 de Novembro de 2012 ficaria marcado por uma das maiores repressões policiais de sempre, eu testemunhava, na Cisjordânia, os aterrorizadores métodos de coerção levados a cabo por uma das maiores potências militares do mundo. Naquela data realizavam-se, por toda a parte, acções de rua e manifestações pela libertação da Palestina. Em conjunto com dezenas de outros activistas europeus, segui para algumas acções, que consistiam em bloquear estradas de acesso aos colonatos. Visto tratarem-se de acções surpresa, não nos foi dito com exactidão para que locais nos dirigíamos. Na primeira paragem, deparamo-nos com uma enorme fila de carros, provocada pela barreira humana que vários activistas, mais à frente, já construíam. Saímos do autocarro, de bandeiras em riste, prontos a entoar algumas palavras de ordem. Pouco depois, imperava uma terrível sensação de asfixia. O exército israelita já lá chegara, e a sua presença era notada por um motivo particular: o gás lacrimogéneo que pairava na atmosfera, lançado para dispersar os manifestantes. Lacrimejamos e sentimo-nos intoxicados. Era agora possível vislumbrar a verdadeira face do regime sionista. Pela primeira vez, eu experienciava os efeitos do gás lacrimogéneo. Pela milésima vez, os activistas palestinianos sentiam na pele os mesmos efeitos, já que o método é extremamente usual naquelas circunstâncias. Saindo do carro, um israelita pergunta-nos, em tom irónico, quem somos e o que ali fazemos. “Porque é que se vêm manifestar para aqui? Façam-no nos vossos países! Bem-vindos a Israel!”, grita, rindo-se.

 

O apertado controlo do exército e a sua ininterrupta vigilância leva-o a reprimir em tempo recorde. Os recursos militares disponíveis proporcionam uma monitorização quase ilimitada. Nas acções seguintes, embora tenhamos conseguido demonstrar o repúdio à política de ocupação israelita, os militares chegavam num ápice, obrigando-nos a desmobilizar. Armados até aos dentes e munidos de portentosas metralhadoras, são ensinados a odiar os árabes e a considerá-los terroristas. A propaganda ideológica israelita molda-lhes o pensamento e as vontades.
Seguimos para nova acção. Desta feita, somos parados pelo exército durante o percurso. Arrogantemente, o soldado obriga o condutor Palestiniano a identificar-se e, apercebendo-se de que este transportava um grupo de activistas, retira a chave da ignição, guardando-a. Somos impedidos de continuar. Um membro da ANP aconselha-nos a abandonar o autocarro e a prosseguir a pé. Assim fazemos. Indignados, seguimos com as bandeiras Palestinianas levantadas e a cantar as palavras de ordem. Depois de caminhar 300 metros, ouvimos o jipe do exército, que se dirige velozmente até nós. Um dos soldados sai e aproxima-se bruscamente, empunhando uma metralhadora. Dá a sensação de que se prepara para disparar. Os ânimos exaltam-se, distinguem-se gritos de pânico. O militar não dispara, mas agride um dos activistas, que cai ao chão. Escapamos pela berma da estrada, atravessando um terreno árido em direcção à bomba de gasolina que dali se avistava. O momento de aperto passa, mas fica patente a frieza e agressividade com que se trata quem ousa pôr em causa o apartheid do século XXI. Se, em vez de activistas europeus, aquele grupo fosse maioritariamente constituído por Palestinianos, não tenho dúvidas de que o soldado dispararia convictamente. É o que acontece em muitas ocasiões.

 


Muitos pormenores são deixados por contar, mas aqui transmito alguns dos momentos mais tensos que já vivi, no seio de uma ocupação militar mantida com o apoio do imperialismo norte-americano. A narrativa construída em torno deste conflito, amplamente veiculada pelos órgãos de comunicação social convencionais, vota ao simplismo uma realidade complexa, caracterizada pela discriminação, opressão e violação dos mais básicos direitos humanos, civis e políticos. Um último episódio ilustra na perfeição o desprezo e a indiferença que uma parte dos cidadãos israelitas nutre face ao poder das amarras que constringem os Palestinianos, no quadro da hegemonia ideológica sionista. Na última acção de bloqueio de estradas, e quando alguns activistas se posicionavam para impedir a passagem dos carros em direcção aos colonatos, um carro Israelita acelera e passa a alta velocidade, abalroando um dos rapazes que ali se encontrava. O condutor segue viagem, sem olhar para trás. Felizmente, a investida apenas provocou ferimentos ligeiros àquele activista. Mas tal lamentável atitude é sintoma da leveza com que se consideram os justos anseios de um povo humilhado e enclausurado. Muito se fala nas saídas para este conflito, referindo-se a constituição de dois estados como a solução mais viável. Essa é até a posição oficial da própria ANP. Contudo, a meu ver, tal alternativa é uma falácia. Israel nunca vai permitir a existência de um estado Palestiniano. Mesmo depois do mais recente reestabelecimento de negociações entre ambas as partes, Israel continua a construir colonatos, a destruir cidades árabes, a alargar os muros e a arrasar física e psicologicamente os Palestinianos. Afinal, até que ponto a própria ANP, promotora de uma política de conciliação com Israel, serve os interesses da população? Estará disposta a estimular a mobilização e a empreender os métodos de luta necessários à libertação? Tenho muitas dúvidas, mas guardo-as para uma futura reflexão.

 

 

 

 

 

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publicado às 20:35

A esquerda que conta

por Samuel Cardoso, em 30.12.13

Este texto do Castro Caldas, de 2011, ilustra bem porque é que, a meu ver, a esquerda que acha que a história ainda não acabou e que quer mesmo mudar as coisas não deve cair no erro de se juntar a partidos que, debaixo do manto da esquerda, fizeram tudo demasiado parecido aos de direita. Se não defendemos o que acreditamos, e só o "menos pior", acabamos a ser como el@s. Por último, a falta de unidade da esquerda nos assuntos essenciais é uma mentira: alguém que ma queira provar diga-me quantas (e quais, já agora) votações na AR o Bloco e o PCP não votam juntos. O PS não vota a favor de propostas para combater a pobreza infantil (um exemplo entre tantos outros), deve ser certamente "porque somos sectários" e "não os sabemos puxar para a esquerda".

"Acho que descobri por que é que a encenação de discórdia entre os “partidos do arco da governação” é tão insuportável. Porque violenta a lógica, transformando uma conjunção de verdades numa falsidade. 

O PS acusa o PSD de querer privatizar tudo e mais alguma coisa. É verdade. O PSD lembra que o PS tem sido o campeão das privatizações. Também é verdade. O PS diz que o PSD quer uma saúde para ricos e outra para pobres, destruindo o SNS universal e tendencialmente gratuito. É verdade. O PSD lembra que o PS não se cansa das parcerias com o privado que entregam a gestão dos hospitais aos privados e está a privatizar o SNS. Também é verdade. O PS acusa o PSD de querer destruir o Estado Social. É verdade. O PSD responde que o PS, dizendo defender o Estado Social, tem vindo a destrui-lo de facto. Também é verdade. 

Os partidos do “arco da governação” que estão de acordo no acordo com a troika defendem o Sector Público Empresarial, o SNS e o Estado Social. É falso. Conclusão: da conjunção de verdades resulta uma falsidade."
Daqui: http://ladroesdebicicletas.blogspot.pt/2011/05/sob-o-manto-diafano-da-verdade.html

 

 

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publicado às 12:40

Do bullying intelectual

por pedro pereira neto, em 30.12.13

Há pessoas a quem o benefício da dúvida parece já demasiado lisonjeiro. E a paciência, essa virtude benigna que deve subjazer-lhe, não é infinitamente elástica.

Vem tudo isto a propósito de algumas afimações que vou lendo, semeadas pelas redes sociais, exactamete da forma que Moreira de Sá há semanas descrevia. Segundo essas ilustres formas de propaganda, existe uma espécie mágica de "números da economia", segundo os quais o desemprego estaria a descer, o PIB estaria a crescer, as exportações estariam a subir, e a balança comercial seria excedentária como nunca na história de Portugal.

A primeira resposta que me ocorre a essas afirmações é, na realidade, uma pergunta: a pessoa injecta ou inala?

A segunda resposta que apetece dar presumo algum domínio mínimo de Geografia: "o senhor sabe que Portugal não é a Alemanha, certo? Eu sei que, na prática, em termos de economia, somos todos cada vez mais objecto da política financeira alemã, mas não lhe parece que está a ser demasiado explícito na sua adoração?"

Irrita-me isto porquê? Porque é desonesto. Porque é desonesto e porque preda a ignorância de demasiados portugueses e portuguesas. Porque é uma espécie de esperteza saloia que, como todas as expertezas saloias, tenta passar por inteligência à força da sua repetição e do silêncio daqueles que não toleram o bullying intelectual. Nunca fui muito bom a aturar essas coisas. Não estou a ficar melhor nisso com a idade.

Vamos por partes:

- desemprego a descer? A sério? Agora o desaparecimento de inscritos nos centros de emprego é "desemprego a descer"? Pessoas que deixam de procurar emprego em centros cujo nome é, em si, uma falácia? Que já nem chamados são? Nem o INE compra essa fantasia, e até costuma comprar algumas e facilitar outras, com timings providenciais;

- as exportações sobem? Muito interessante: quando a redução dos salários em Portugal torna o custo de produção mais baixo, e imputa ao intermediário e ao consumidor final valores mais baixos, é natural que as exportações subam; costuma funcionar no Bangladesh, mas até ao momento a intenção de nos equiparar a esse mercado pulsante de modernidade não foi (ainda) assumida explicitamente;

- balança comercial excedente? Não tendo a população dinheiro para importar, não obtendo as empresas crédito algum na banca que ajudaram também a salvar, e subindo as exportações à custa da redução da massa salarial, é natural que a balança mude, não? Se instituissemos a escravatura ainda melhorava mais.

Uma maioria do PSD já se apercebeu do logro. Ser enxovalhado publicamente pelas principais figuras da Economia no PSD deveria ser suficiente para estes arautos das "boas notícias" guardarem a viola no saco. Aparentemente, não. Há numa certa direita esta coisa curiosa: só acordam para a enchente quando a maré entra na cozinha. Aí, o que era radical seis meses antes passa a ser o discurso dominante. Mas com o prato vazio dos outros lidamos sempre bem. Enfim. "Viva Vichy", parece, na cabeça de alguns.

Não é de hoje que é descarado um certo colaboracionismo em algumas doutas figuras do jornalismo económico. Fazem parte do ambiente que reescreve permanentemente o presente, suspeito, com intenção implicita (e por vezes nem isso) de apresentar serviço para beneficio futuro. Até programas de governo alguns já escrevem. Deveriamos exportar esse filão, de tão talentoso.

E é grave que assim seja: privada de media que seja reflexo (ainda que reconstruído) da realidade, uma parte demasiado grande da cidadania fica completamente à mercê do discurso normativo do Governo (deste ou de outro). Considero a hipotese de oferecer alguns pins partidários a algumas dessas figuras: sempre era mais honesto.

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publicado às 02:32




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