Saltar para: Posts [1], Pesquisa e Arquivos [2]
Não bastava ter um currículo impecável, intermináveis anos de estudo e as melhores notas. Para conseguir o Cargo era preciso passar pelo ritual da entrevista.
Ali se encontrava, pois, o candidato sentado à frente do Diretor Máximo em pessoa. De várias formas ardilosas, este testava a sua capacidade de recitar o Credo.
Até que o Diretor Máximo disparou a pergunta derradeira: «até onde está disposto a ir pelo Credo e pela Instituição?»
O candidato não acusou minimamente a pressão e continuou no seu ritmo vagaroso: «faço qualquer coisa. Até já meti um país de rastos.»
O Diretor Máximo deixou que um sorriso mínimo se escapasse à sua expressão austera. Não terá sido por se ter surpreendido, até porque já sabia... Tínhamos Funcionário!
Retomo* o post onde argumentei, a propósito da unidade da esquerda, que no aplanar das diferenças está a nossa fraqueza, não a nossa força e identifiquei algumas contradições que atravessam política partidária e os movimentos sociais. Abordo agora outras dessas contradições: o nacional e o internacional; o crescimento e a ecologia; o trabalho e a vida; a resistência e a transformação.
O nacional e o internacional
O Estado nacional foi, mesmo considerando as formas contraditórias que assumiu, o principal palco de confronto de disputa política dos ultimos dois séculos e nele foram até conseguidas conquistas importantes: desde direitos cívicos e políticos até direitos sociais, culturais e económicos muito se conseguiu consagrar nas leis fundamentais nacionais, especialmente quando embaladas por ondas revolucionárias – comparar o caso do processo constituinte do pós 25 de Abril e a transição democrática no Estado espanhol será bastante instrutivo para esta análise. Estas conquistas tiveram também cumplicidades e solidariedades além fronteiras, não sendo correcto afirmar que a escala internacional tenha estado ausente dessas disputas políticas. Mas a escala nacional era o ponto de partida e a principal base de soberania popular. Ainda será assim? Há sinais de mudança. Por exemplo, e olhando as mobilizações dos últimos anos, pela forma como a afirmação de um “nós” global – mesmo que expresso num vago “99%” - contra as elites financeiras veio dar um novo gás, e um novo sentido, às mobilizações em torno do Mediterrâneo. Ou ainda, se relembrarmos como a escala ibérica, de tonalidade europeia, foi um elemento crucial para o sucesso da Greve Geral de Novembro de 2012, que inicialmente foi convocada pela CGTP com o lema “Por um Portugal com Futuro”. É que, cada vez mais, vai-se percebendo que “isto está tudo está ligado”, que estamos extremamente interdependentes. Aquilo que nos afecta, afecta também outros povos no sul da Europa e a troika que nos oprime, oprime outros tantos povos. Mesmo que as principais ferramentas institucionais que podem fazer valer os nossos interesses (por exemplo, a constituição) estejam localizadas à escala nacional, talvez não resida aí a força e a imaginação política (usando os termos de Benedict Anderson), necessárias à uma transformação social que supere esta crise.
O crescimento e a ecologia
A emergência da resposta à(s) crise(s) ecológica(s) é talvez, o sinal mais óbvio do esgotamento das respostas soberanistas. No caso português, também porque a soberania alimentar foi aquela que primeiro perdemos com o processo de integração europeia. Não quero com isto dizer que os temas produção e distribuição alimentar não devam constituir área de reflexão e bandeira da esquerda. Pelo contrário: mais que nunca, a luta pela soberania alimentar é um elemento crucial da luta emancipatória. O problema é que esse é um elemento material vital que limita as possibilidades de saída à escala nacional. Mais ainda, coloca desafios importantes a uma imaginação intelectual sobre as alternativas. É verdade que a austeridade é desastrosa, especialmente do ponto de vista social, mas o crescimento económico não é a alternativa, sendo essencial colocar no centro de debate uma questão: os recursos naturais não são ilimitados.
O trabalho e a vida
Claro que é necessário criar emprego, de qualidade. Claro que é. Mas a nossa vida não se resume ao trabalho [e será que este tem de ser obrigação?] nem tão pouco residem aí todos os mecanismos de expropriação capitalista. Como argumenta David Harvey, as dinâmicas da exploração de classe não estão confinadas ao local de trabalho. Na verdade, o valor criado na produção pode ser recapturado para classe capitalista pelos senhorios através da cobrança de rendas altas na habitação. Basta lembrar as razões da bolha imobiliária que fez rebentar a crise financeira de 2008 para perceber como esta lógica foi explorada pelo Capital. O problema é que de tanto querer afirmar a centralidade do trabalho, fomos deixando tudo o resto – em especial a habitação - cada vez mais entregue à retórica de consumo. E corremos o risco de cair na ratoeira da compulsão ao trabalho. Mas há forma de abordar conjuntamente lutas que aparentemente estão desligadas: aqui está um bom exemplo. Mas é preciso ir mais longe. Aprendi aqui que vivemos não apenas uma agudização do conflito capital-trabalho, mas igualmente do conflito capital-vida, no qual os riscos dos mercados são socializados ao mesmo tempo que os bens comuns (saúde, educação, água...) necessários a uma vida digna estão a ser privatizados. Não será por isso que, em tempos de crise, retóricas liberais e conservadoras tendem a aliar-se? Quando se precariza as condições de vida e diminui-se as possibilidades de uma vida digna, é o próprio conceito de vida que é alvo de disputa ideológica. E é claro que não devemos abrir mão dessa disputa.
A resistência e a transformação
O post já vai longo por isso resumo esta ideia num repto: queremos apenas resistir à austeridade ou também queremos transformar o mundo em que vivemos. Em qualquer dos casos, mas especialmente na segunda opção, o processo de "convergência de vontades" não se pode resumir a encontrar um denominador comum - que em muitos casos implica a exclusão de algumas dessas vontades - mas reconhecer que todos os contributos em debate ou em disputa (mas não necessariamente em competição), são importantes para a afirmação de alternativas. Como é que isso se faz? Não sei bem, mas suspeito que a velha dialéctica marxista pode ser uma ferramenta útil.
Há uns 3 ou 4 anos lembrei-me de ler um livro do Camus que dá pelo nome de "O Mito de Sísifo". Era claramente demasiado avançado para mim na altura (e, hoje, provavelmente, continuaria a ser), pelo que retive pouca coisa. No entanto, serviu pelo menos para ficar a saber o que é o mito de Sísifo.
Sisífo era um mau tipo e que, como castigo pelo mal que fez, foi condenado por toda a eternidade a empurrar uma pedra gigante até ao cume de uma montanha. Sempre que parecia que estava a chegar ao topo, ups, lá vinha a pedra cá para baixo outra vez, e o coitado tinha de recomeçar tudo do início. É uma história curiosa para falar daquilo que são os esforços inúteis que levamos a cabo na nossa vida.
Que acrescento é que eu quero fazer a esta história? Falar da pedra. Que é, para mim, nos tempos que correm, o PS.
O PS foi, desde que temos Governos Constitucionais depois do 25 de Abril, governo durante cerca de 17 anos. Várias vezes em coligação. Nunca com a esquerda.
Durante esses anos, e foram tantas as hipóteses, o PS fez quase tudo igual aos partidos de direita. Privatizou o que não devia ser de ninguém a nível pessoal, mas de todas e todos a nível colectivo, sem o ter anunciado. Não fez frente aos de cima, o que sempre se revelou mais claramente em alturas de crise, contra o que dizia que faria. Pôs Portugal na Comunidade Económica Europeia e aprovou vários tratados (e outro tipo de medidas) que põem em causa o direito de quem cá vive escolher o rumo político que coletivamente traçar, sem o sufragar. E etc. Pôs o socialismo na gaveta e, pelo caminho, em larga medida, também se esqueceu daquilo que devia ser um partido democrata, o que não deixa de ser curioso para um partido que começou a crescer apresentando-se como defensor inabalável da democracia.
O PS tem certamente gente decente, honesta e bem-intencionada nos seus e nas suas militantes. Mas que compactua há demasiados anos com uma política que não se diferencia da da direita. Isto faz destas e destes militantes do PS más pessoas? Não. Tal como, sublinho, há gente bem-intencionada nos partidos de direita. Mas não os faz sujeitos de uma política unificadora para a transformação da sociedade. Ser bem-intencionado não chega.
Chegamos ao ponto fundamental: o PS pode mudar? Pelo que nos diz a história do partido, e o que sabemos das suas disputas internas (na sua quase totalidade, disputas por lugares mais apetecíveis aqui e ali, e não por discordâncias políticas), acho sinceramente que a resposta é "não". Posso estar enganado, e se isso acontecer admiti-lo-ei, mas o PS não mudará. Ou mudará apenas no dia em que houver uma força com enorme pujança, e agregadora, à esquerda, que mude as coisas e que o leve a perder uma parte enorme da sua base social de apoio. Porque, como partido do poder que é, provavelmente ajustar-se-ia, como foi ajustando cada vez mais à direita a sua política económica. A discussão sobre o que fazer nessa situação (ou seja, como responder a quem pouco tempo antes defendia o que agora se desmoronava) parece-me bastante abstrata. No entando, sempre me parece mais interessante do que falar das "puxadelas" que é preciso fazer ao PS para ele vir para a esquerda, porque ainda que seja abstrata parece mais real.
Não dá para puxar algo que pesa dez vezes mais que nós sem se esperar ser arrastado: não vale a pena esperar que quem, para evitar aprovar uma reforma fiscal justa (que seria viabilizada pela abstenção do Bloco de Esquerda ao Orçamento de Estado. Ver mais aqui: http://www.esquerda.net/opiniao/imposto-de-solidariedade-uma-hist%C3%B3ria-antiga-em-10-notas), preferiu negociar com um deputado do CDS, queira qualquer política alternativa.
É muito mais interessante pensar coletivamente como criar uma ampla força transformadora que ganhe a confiança das pessoas para "mudarmos o nosso futuro". E, já agora, criá-la.
A situação que presenciamos nos dias de hoje não é de todo animadora e, seja isto bom ou mau, nunca conseguimos fugir à sociedade em que vivemos. Pelo que é "natural" que seja ainda mais atrativo do que normalmente procurar soluções mágicas para o nosso futuro. Estou, no entanto, profundamente convencido de que a maneira de encontrar soluções é observar a realidade a fundo para a perceber, e daqui perceber o que se deve fazer. Por muito difíceis que as soluções se nos apresentam, sempre são mais razoáveis do que as não-soluções, que nenhum problema resolvem.
Contra mim falo…
Não encontrei vontade de sair ao Coliseu e dizer aos pulhas que espalham desemprego, miséria e desespero que já basta de falarem com se representassem outra coisa que não a ganância sem limpidez e impiedosa dos especuladores e capitalistas, a raiva de desforra de outros tempos tornados “modernos e inevitáveis” pela “realidade” que tece a irracionalidade de um sistema económico brutal e triturante de meios de produção apropriados por uma minoria e recursos naturais espoliados na presente e futuro para exclusive benefício de uns quantos.
A esquerda institucional, ao que parece, acha que o "respeitinho é muito bonito"...
e presumo que a outra deu-lhe o mesmo que a mim...
Sim, as hienas riem… mas reconheço que nós deixamos elas rir.
Até quando?
Decorreu neste fim-de-semana no Coliseu dos Recreios o Congresso do PSD. O partido tentou demonstrar a mais de 900 mil pessoas desempregadas, a 2 milhões de pobres e a milhares de pensionistas e de jovens que emigraram do país que esta nobre e honrada terra corre em ventos brandos para o admirável mundo do progresso, do sucesso e da prosperidade económica. Para isso devem ter contratado nos últimos tempos algumas centenas de assessores de comunicação. Não é fácil explicar a alguém que tem menos salário ou pensão, que não tem emprego, que emigrou ou que vive na pobreza, que o país melhora consoante mais degradada esteja a vida de quem nele vive. Mas isso vai ser a política dos grandes. O que queria mesmo falar é da política dos pequenos. Dos pequeninos. Da jovem ninhada social-democrata.
Na boa tradição paternalista e conservadora de dividir a política em termos etários, o PSD criou um quintal para a sua juventude. A JSD lá vai brincando aos políticos no seu parque infantil onde os baloiços são substituídos por odes a entrudos tão incomodativos como tem sido um tal de Hugo Soares, que aparentemente, estranhe-se, é o líder da JSD. Mas o problema é que estes entrudos ganham mesmo vida e de repente, enquanto esfregamos um olho, já são secretários de estado voando da universidade para o aparelho de estado num golpe de magia que faz impressionar os mais céticos.
A JSD apresentou uma moção estratégica ao Congresso do PSD. Vale a pena lê-la. É que mesmo que nós achemos que os dirigentes da JSD são meia dúzia de papalvos a brincar à política - e são -, algumas das estranhas criaturas acabam mesmo por se tornar ministros, primeiros-ministros ou secretários de estado. O que levou a Congresso esta nova ninhada de jotinhas?
Um país dominado pelo bloco central. Propõe uma reforma do sistema político para que o bloco central consiga dominar ainda mais o país. A ideia é reduzirem o número de deputados para concentrarem a quase totalidade do parlamento no bloco central, ao mesmo tempo que definem círculos uninominais para esvaziar a capacidade dos partidos mais pequenos elegerem. Para ajudar à festa do bloco central propõe ainda um aumento do mandato presidencial para 7 anos.
Ajustar contas com Abril. A JSD não tem gostado que o Tribunal Constitucional proteja quem trabalha. Por isso, estes jovens propõem-se a liderar uma grande revisão constitucional. Dizem que os valores de Abril estão ultrapassados. Na verdade, eles têm vergonha dos valores de Abril e concretizam: é preciso acabar com a gratuitidade tendencial dos serviços públicos de educação e de saúde para criar serviços públicos apenas para os pobres. E vão mais longe: é preciso que a segurança social tenha noção de que o Estado não tem dinheiro e que alguns dos seus princípios de solidariedade devem ser abandonados.
Criminalizar… o PSD. A JSD diz que há um desfasamento entre os cidadãos e os “políticos” e por isso acha que se deve criminalizar a má gestão pública. Desse ponto de vista, por princípio, nada contra. Isso podia ter duas vantagens. A primeira era a JSD começar a candidatar-se à Procuradoria-Geral da República deixando o Parlamento em paz. A segunda é a de que talvez pudéssemos, com a ajuda da JSD, começar por responsabilizar criminalmente o conjunto de dirigentes do PSD que andou metido na vergonha BPN e aqueles que têm vivido à sombra do Estado há décadas. Por onde querem começar?
Austeridade perpétua. A JSD encontrou a solução mágica para a economia. Consiste em meter na Constituição uma chamada “Regra de Ouro” para limitar o défice. Isto é, passa a ser expressamente proibido e inconstitucional numa altura de crise o Estado poder ser chamado a gastar mais em investimento público para criar emprego e a dar mais proteção social para evitar a pobreza e recessão (como aliás se resolveu a crise de 1929). Trocado por miúdos, a forma de garantir a “sustentabilidade” do Estado é estarmos enterrados até ao pescoço em políticas de austeridade até que alguém decida deitar a “Regra de Ouro” para onde ela tem de estar: no lixo onde estão as piores ideias da história económica, social e política.
A JSD é o elefante na sala do congresso. Só que é elefante que fala. É um elefante pronto para, assim que o dono der ordem, se levantar e exprimir com total veemência meia dúzia de frases feitas para testar as hostes.
A eloquência digna destes competentes empreendedores do aparelho estado soou no Congresso do PSD como a voz de Hugo Soares soa no Parlamento: acalma as consciências dos conservadores, testa publicamente a repugnância de um projeto ideológico totalizante e envergonha a modernidade que se construiu neste país.
É preciso muito cuidado com eles. Eles andam mesmo aí.
Numa tentativa desesperada de reescrever a história, tentando fazer crer que o PSD teve alguma coisa a ver com a Revolução (a pior anedota de mau gosto que já ouvi), conseguiram passar uma grande verdade, no filme projectado no início do Congresso nacional dos sociais-democratas: O PSD foi fundado por fascistas que apoiavam, na Assembleia Nacional, a Ditadura feroz do Estado Novo!
"Assim como a orientação denominal de um homem é o resultado de sua educação, e o religioso precisa de um retiro para sua alma, a opinião pública das massas representa nada mais que o resultado final de uma incrível tenacidade e perfeita manipulação de de sua mente e alma"
O governo decidiu avançar como primeiro critério para despedimento de trabalhadores a «avaliação de desempenho». Ao fazê-lo, faz uma escolha ideológica e programática. Quer aparentar que a avaliação é uma forma objectiva de julgar e de comparar. Mas não é. Alguém conseguirá ainda acreditar nisso? É, aliás, as mais das vezes o contrário: feita de objectivos difusos, a avaliação de desempenho torna-se o reino do amiguismo oculto e da promoção da subserviência reles.
Seja como for, generalizá-la é generalizar a chantagem. Este não é um critério entre outros ou um critério como poderiam ser outros. É o critério mais adequado à mentalidade de quem pensa que preencher grelhas e tabelas assegura uma evidência. É um critério que parece ocultar a sua natureza de poder brutal. É um critério normalizador e formador de subjectividades obedientes, dissuasor da luta por direitos sociais.
É uma forma de biopoder. José Gil, entre outros, procurou há bem pouco tempo os meandros pelos quais se produzem os processos de extração de mais-valia subjetiva: a avaliação é frequentemente uma forma de afirmar que nunca damos o suficiente à empresa, que nos devemos empenhar mais, que devemos moldar a nossa própria personalidade ao que ela dita. E é uma forma de sentir que essa adequação é sempre de menos. A homogeneização é diminuição.
A pseudo-técnica da grelha já era a cenoura para a promoção, agora é o pau para o despedimento. Entrenha-se mais na empresa e em cada um dos trabalhadores. Querem-nos domesticados.
As nossas sociedades produzem os seus próprios bibelôs e os seus próprios cães de loiça. São pessoas que não se percebe de onde vieram, quem é que são e porque é que estão ali especadas. Mas apareceram, fixaram-se e vivem vomitando opiniões em todos os canais de comunicação. Sabe-se, no entanto, que no geral ninguém assume responsabilidade de as ter ali posto. Também ninguém sabe bem porque é que ninguém as tira dali e, no geral, ninguém as aprecia especialmente. Enfim, tudo isto para vos falar de um tal jornalista (segundo consta) João Miguel Tavares.
Conheci-o numas crónicas da revista do correio da manhã sobre banalidades do quotidiano, o seu filho, a sua família e mais não sei bem o que. Eram crónicas um bocado patéticas mas ao menos aí não incomodava ninguém e entretinham a malta quando ia à casa de banho. Agora está em todo o lado, tem um programa de comentário político semanal, escreve no Público e vomita opiniões por todo o lado.
João Miguel Tavares é um símbolo do nosso tempo. É um símbolo de uma direita rançosa e conservadora que tenta dar um ar moderno mudando as hastes dos óculos. Parecem mais modernos, mais chiques, mais hipesters, mais tudo. Mas são a mesma coisa, cheiram ao mesmo e ganham uma presença no espaço mediático completamente dissonante do que vão fazendo pela vida.
Enfim, o João Miguel decidiu dizer que o aborto livre e gratuito é uma vergonha. Diz que as mulheres não podem ir para a prisão mas que isto também não pode ser tudo à balda. Que é preciso um meio termo: as mulheres que querem abortar devem auto-organizar-se para recolherem dinheiro e irem a uma clínica privada. Enfim, isto é uma maneira chique de mandar as mulheres para vãos de escada e para desresponsabilizar o Estado por uma escolha que foi maioritária. Mas a minha proposta é outra, é que nos juntemos, nos auto-organizemos e arranjemos umas massas para dar um subsídio ao João Miguel para não ter que ganhar a vida a vomitar conservadorismo nos média.
Continuava a comer e a viver porque nós somos pelo direito à vida. Mas o nosso ar, esse, ficava bem mais respirável.
Observem a Presidente do Parlamento português, do PSD, responsável por destruir o Estado Social em Portugal. Ela tenta florear uma ignorância tão grande como a dela com palavras que não existem, com uma palavra em francês (que inteligente, mon dieu) e expressões estapafúrdias como "soft power sagrado", que deve arrepiar até os meus professores de Ciência Política seus companheiros de partido.
Esta senhora é uma Presidente da Assembleia "inconseguida" na sua responsabilidade perante o Estado e os cidadãos, mas que não é burra nem está ali por acaso. Ela é o reflexo perfeito da burguesia portuguesa. Ignorante no que mais interessa, sábia nos estratagemas mais rebuscados da hegemonia neoliberal.
Inconsigo compreender a poesia política austeritária do medo.
Inconsigo ser desse medo. Só consigo sonhar inconseguir o medo.
A austeridade é o medo conseguido.
O empreendedorismo é a modalidade de conseguimento austeritário.
Inconsigo ser empreendedor. Só consigo ser aprendedor.
A austeridade é uma contradição inconseguida.
Dentro das possibilidades em que nos encerram, só há lugar para vidas inconseguidas.
Inconsigo viver assim. Só consigo viver consigo.
A austeridade inconseguirá destruir-nos a vida.
Algum tempo atrás foi aqui lançado um manifesto para desunir a esquerda. Manifesto provocador, é verdade, mas no qual me revi pois apontava para uma questão chave: na urgência de enfrentar o governo e a troika, não podemos esperar que a afirmação de alternativas à esquerda seja conseguida fazendo tábua-rasa da diversidade de reivindicações e de identidades da dita cuja (usando os termos então adoptados). No aplanar dessas diferenças está a nossa fraqueza, não a nossa força. A união, enquanto “concórdia de vontades” tão heterogéneas, e num contexto tão complexo como o actual, dificilmente se consegue em menos de meia dúzia de meses. Basta pensar na experiência do “Começar de Novo”, que esteve na base da criação do Bloco de Esquerda (e cuja a morte foi já declarada milhentas vezes) e nas dificuldades de um percurso colectivo de cerca de 15 anos, para perceber o complicadito que isto tudo é. É que às vezes tanta unidade até cansa!
Subjacente a este debate da união das esquerdas há um conjunto de contradições que atravessa a política partidária (e imagino eu, que não sejam exclusivas do Bloco) e os movimentos sociais. São algumas dessas contradições que gostaria de apontar pois me parecem cruciais para entender os limites e as possibilidades de construção de alternativas à esquerda. Distingo sete contradições: o individual e o colectivo; a política e a emancipação; a política e o social; o nacional e o internacional; o crescimento e a ecologia; o trabalho e a vida; a resistência e a transformação. Abordarei as três primeiras agora e as restantes num próximo post.
O individual e o colectivo
Há muito que a acção colectiva não andava tão na moda. Os protestos dos últimos anos trouxeram um novo alento num mundo onde o invidualismo impõe o isolamento. No entanto, e curiosamente, com ela afirmou-se também a desconfiança em relação às organizações, em particular as tradicionais, nomeadamente partidos e sindicatos (mas não só). Desde as acampadas até aos congressos das alternativas (e ninguém dirá que se trata de uma mesma cultura política), viu-se a afirmação fabulosa de que “aqui não há organizações, só pessoas, individualmente”. Alguém acredita nisso? Alguém acredita que a capacidade de participação e o peso político de cada pessoa está imaculado das relações sociais em que se insere? Não nos iludamos: no contexto da disputa política, actores fracos dependem muito mais da sua capacidade organizativa para fazer valer os seus interesses e têm muitas mais difuldades de acesso a recursos cruciais para os resultados dessas disputas, como é o caso dos meios de informação e media.
A política e a emancipação
Esta contradição tem-se cruzado com um tema crítico no debate marxista, que pode ser resumido na velha máxima: o desenvolvimento de cada um[a] é a condição para o livre desenvolvimento de todos [ou de todas as pessoas, digo eu]. Se as correntes comunistas têm colocado a tónica da condição de emancipação no colectivo, as social-democratas colocaram no individual. As contradições abarcam desde as concepções totalitárias do Estado nas experiências de socialismo real até à capitulação da social-democracia numa espécie de “social-liberalismo”. Por outro lado, resumir a ideia emancipação à igualdade formal e à institucionalização de direitos pode ter sido eficaz na época dourada do capitalismo mas coloca hoje a esquerda na defensiva face ao resgate das estruturas institucionais pela chantagem do défice. Isso significa que devemos deitar fora o potencial progressista do processo de institucionalização de direitos verificada no pós-guerra? Claro que não. Mas não substimemos o impacto cultural que teve o neoliberalismo. É nesta linha que as recentes mobilizações têm um potencial assinalável – o ressurgimento da onda libertária é indicador disso mesmo.
A política e o social
“O que interessa é a política, não podemos andar por aí a fazer caridade.” Confesso que cansei-me dessa. Reformulo a questão levantada anteriormente: alguém acredita que a capacidade de participação e o peso político de cada pessoa está desligada das suas condições materiais e culturais de participação? A questão não se coloca apenas em termos de princípios democráticos, mas também em termos de resultados: alguém acredita que uma força alternativa que não envolva os sectores mais afectados pela austeridade tenha realmente a capacidade de mudar as relações de poder dominantes e ter um papel realmente transformador? A incapacidade de reconhecer, à esquerda, a importância deste problema é uma das razões pelas quais a extrema direita e os movimentos de cariz conservador (por exemplo, a igreja católica ou até mesmo as IURD's e afins) e populista têm encontrado espaço aberto para disputar o apoio de sectores populares. Não basta condenar a ascensão dos neofascismos. Antes disso é necessário responder ao caldo social e político que os alimenta. E entenda-se: voluntarismo humanista por si só, sem trabalho de conciência crítica emancipatória, não é solidariedade, é paternalismo caridoso; política sem atender à dimensão humana dos tempos que se vive é abstração pura e facilmente se enrederá no tacticismo.
(continua)
Se dormirem na rua...
Assim é na Hungria desde 2010. Face à oposição do Tribunal Constitucional - esse grupo de activistas radicais -, e apesar dos protestos, o governo húngaro alterou a lei fundamental autorizando as autarquias a punir quem tenha a sua "residência habitual em espaços públicos", o eufemismo usado para designar quem não tem tecto. Às multas e à pena de prisão há sempre a alternativa dos trabalhos forçados, talvez com função pedagógica, quem sabe.
De 13 a 15 de Fevereiro, estão previstas acções de luta e de solidariedade em Essen, Viena, Lisboa, Dublin, Paris, Nova Iorque, Bruxelas, Londres, Estrasbrugo. Em Lisboa, dia 13 (quinta-feira), pelas 16h30, haverá uma concentração em frente à Embaixada da Hungria.
O PS propõe juntar às políticas de visto gold para investidores ou craques internacionais das ciências os tribunais gold para «investidores» estrangeiros. A ideia é oferecer resolução mais rápida de conflitos através de um «tribunal com uma competência especializada para apreciar os conflitos emergentes das relações contratuais onde está envolvido investimento estrangeiro».
Ao que se pode ler aqui e do ponto de vista de um leigo absoluto nestas matérias, a proposta não é nada clara. Fica a ideia de uma trapalhada ad hoc «dependendo das verbas envolvidas, algo que seria definido consoante o contexto económico, por exemplo anualmente.» E fica a incerteza do âmbito de aplicação: os conflitos com outras empresas são claramente nomeados mas estaremos também a falar em conflitos com o Estado português ou com os trabalhadores? Como se garantem direitos processuais de defesa que impliquem tempo se o determinante é a pressa de resolução? É uma via verde ou implica mesmo o que parece: tribunais especiais que só julgam este tipo de casos? É recíproco ou unilateral, ou seja, se um/a trabalhador/a for despedido/a ilegalmente de uma destas empresas será também resolvido em prazo dourado ou limita-se a ser no que diz respeito aos interesses do «investidor»?
A via verde na justiça cria não só um regime de um país, dois sistemas mas, sobretudo, institui a desigualdade no direito ao acesso à justiça. E isto é, do ponto de vista democrático,inaceitável.
Com esta proposta, o PS entra imponderadamente na insana corrida louca ao ouro, cede à mitificação do investimento estrangeiro e dos/as investigadores/as estrangeiros e contribui para as simétricas respostas nacionalistas a troco da promessa de milhões em investimento e de empregos. Só que é preciso sublinhar que a política dourada é a que vende facilidades a alguns mantendo ou reforçando as dificuldades de todos. Os vistos dourados são a outra cara de Lampedusa, de uma Europa cúmplice das mortes de milhares de pessoas. Os vistos para craques cientistas são a outra cara da política de destruição da ciência indígena,da precariedade e do êxodo forçados de investigadores/as. Os tribunais dourados serão a outra cara de uma justiça injusta lenta e absolutamente desigual.
A idade do ouro neoliberal é a institucionalização da desigualdade em nome dos negócios. Começa como um visto, uma bolsa ou tribunal. Onde acabará?
Visto gold (para ricos), vistos talento (para craques), visto pelas costas para imigrantes pobres e até portugas qualificados. A livre circulação tem os seus limites. É que para alguns não há talento que lhes valha…