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O PSOL, Partido Socialismo e Liberdade, com presença nas duas câmaras legislativas do Brasil, vai avançar com a proposta de legalização da canábis, conhecida no país como maconha. A perseguição aos consumidores de maconha é um dos principais pretextos para a prisão de jovens negros e pobres no Brasil. É o pretexto que faz transbordar as prisões brasileiras de jovens consumidores e pequenos traficantes de esquina que a partir daí, como sabem, perdem qualquer oportunidade de voltarem a se integrar normalmente numa sociedade que os atirou para celas com criminosos "a sério". A legalização da maconha é essencial também para separar o mercado (que existe, legal ou não) dos consumidores de maconha dos traficantes de cocaína, heroína e crack. A legalização da maconha também serve para saldar uma dívida para com centenas de milhares de seres humanos que perderam a chance de ter uma vida normal por terem sido apanhados com "flagrante" pela Polícia Militar, muitas vezes ainda adolescentes. Regular, taxar e legalizar, porque a proibição é a desgraça que se vê.
"Ah e tal tantos problemas mais urgentes no Ensino Superior, o corte nas Bolsas, o RJIES, o processo de Bolonha, o corte na Ciência e esta malta quer é falar das praxes..." 2014.
"Ah e tal tantos problemas mais urgentes no país, a pobreza, o desemprego, o déficit e esta malta quer é falar na descriminalização do aborto, no casamento de pessoas do mesmo sexo, nas drogas..." Início do século XXI.
Mudam-se os contextos, mas o argumentário, esse, é sempre o mesmo. Da minha experiência, sei bem que quem se bateu pela despenalização do aborto, pelo fim das discriminações aos homossexuais ou contra a praxe, nunca faltou à chamada no combate à precariedade, ao desemprego, aos cortes da Acção Social Escolar, ao processo de Bolonha ou ao RJIES.
Há quem não o entenda e quem ridicularize, mas "fazer a luta toda" é isto mesmo.
O que seria da nossa civilização se os "radicais fracturantes" não tivessem, contra ventos e marés, lançado debates, quebrado tabus, levado "pancada", sido marginalizados e estigmatizados, argumentativa e socialmente, não tivessem, resumidamente, aberto caminho para a criação de novos consensos sociais em relação a todas aquelas matérias de costumes e de direitos civis?
Conseguimos, é verdade. Falta muita coisa? Falta. Atenuaram-se algumas opressões (de género, de orientação sexual, etc) e acentuaram-se outras, como a opressão económico-laboral. Mas há alguma relação de causa-efeito entre o avanço numas matérias e o recuo noutras? Estaremos perante dois combates distintos (o da opressão económica e o da opressão de direitos civis) ou diante de um único combate contra um sistema, o Capitalista, que tem no seu ADN a Opressão?
Forças progressistas sempre existiram, mas hoje, mais do que a sua mera existência, é fundamental reconhecer que elas "contam", são relevantes, têm tido resultados e promovido avanços. Não é pouca coisa.
Mais ainda, no meio destes putos, há milhares de jovens adultos com mínimos de integridade, humanismo e respeito por si e pelo próximo que são vergados todos os anos perante esta podridão. Daí que, e depois de ter visto por aí o vídeo abaixo a circular, um impulso me levou a escrevinhar umas coisas, até para, para mim, poder dar o assunto como fechado.
E visto isto, a que se soma o "direito a ser humilhado" e as conversetas todas do papel da praxe na integração, mantenho a opinião, apenas com mais força: Triste país que tem uma Universidade que permite isto dentro das suas portas.
Parece-me impossível, se não absurdo, falar em proibição de praxes, por uma série de razões, nomeadamente a dificuldade em definir limites e critérios para tal lei:
a) Seria o ajuntamento? Qualquer grupo de universitários na rua seria praxe? E se um dia (não custa sonhar) os estudantes do superior resolvessem voltar a sair à rua para exigir o mínimo que é exigível para o ensino em Portugal, seria esse ajuntamento considerado praxe?
b) O comportamento? Um bando de bêbados aos gritos na rua é praxe? Se, e tantos usam por aí o argumento, coisas como as Festas de Queima das Fitas e afins são parte da praxe, seriam então estas proibidas?
c) Seria o traje, a roupa? Qualquer ajuntamento de malta com capa seria proibida? E se Lisboa, na sua ânsia de promover o turismo, conseguisse receber um Congresso Mundial de fãs do Batman? Teria de ser aberto um regime de excepção na lei de proibição das praxes?
O passo a dar é, parece-me, "anormalizar" a praxe. E antes de mais, correr com ela de qualquer espaço universitário. Se um qualquer grupo de jovens tem extremas dificuldades em lhes ver cedida para simples reuniões de trabalho uma sala numa qualquer faculdade, como se concebe e aceita o que se vê neste vídeo? E os reitores e presidentes dos conselhos directivos e pedagógicos e outros órgãos de nome pomposo, sempre com a boca bem cheia dos valores da Academia e da elevação desta, admitem e dormem descansados com isto a acontecer nas suas barbas?
Claro que fora das universidades continuaria a haver praxe. E a solução também não me parece complicada e reside tão só naquilo a que chamamos Estado de Direito. Qualquer abuso perante a integridade moral e física de uma pessoa não deve ser reportado a uma Comissão de Praxe e remeter para um Código de Praxe. Deve ser reportado à polícia e remeter para o Código Civil ou Penal. E só com a repetição e perda de medo de denunciar e punir, se vai conseguir voltar a colocar o mundo nos eixos. E talvez consigamos voltar a viver num mundo onde quem defende igualdade entre todos e respeito pela condição do outro não é vaiado ou olhado de lado, enquanto os desprovidos de qualquer noção de humanidade se passeiam de colher de pau gigante na mão, enquanto fazem tempo até serem nomeados para uma qualquer Secretaria de Estado..
Se a praxe, como ontem desesperadamente tentaram mostrar os seus defensores, é assim tão independente das Universidades, das suas direcções, associações estudantis e toda a restante panóplia de poderes e instituições paralelos, por que motivo tem o Dux de Coimbra direito de voto na eleição do Secretário-Geral da Queima das Fitas - cargo muito bem remunerado e que "abre muitas portas" (se é que me estão a entender...)? É simples: é preciso "retribuir" ao represente máximo da praxe o que ela, enquanto movimento de massas, faz para a eleição de 99% dos dirigentes associativos da AAC. Do que se trata, de facto, é de um típico sinalagma: eu apoio e potencio a vossa eleição, vocês institucionalizam a praxe.