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Há uns 3 ou 4 anos lembrei-me de ler um livro do Camus que dá pelo nome de "O Mito de Sísifo". Era claramente demasiado avançado para mim na altura (e, hoje, provavelmente, continuaria a ser), pelo que retive pouca coisa. No entanto, serviu pelo menos para ficar a saber o que é o mito de Sísifo.
Sisífo era um mau tipo e que, como castigo pelo mal que fez, foi condenado por toda a eternidade a empurrar uma pedra gigante até ao cume de uma montanha. Sempre que parecia que estava a chegar ao topo, ups, lá vinha a pedra cá para baixo outra vez, e o coitado tinha de recomeçar tudo do início. É uma história curiosa para falar daquilo que são os esforços inúteis que levamos a cabo na nossa vida.
Que acrescento é que eu quero fazer a esta história? Falar da pedra. Que é, para mim, nos tempos que correm, o PS.
O PS foi, desde que temos Governos Constitucionais depois do 25 de Abril, governo durante cerca de 17 anos. Várias vezes em coligação. Nunca com a esquerda.
Durante esses anos, e foram tantas as hipóteses, o PS fez quase tudo igual aos partidos de direita. Privatizou o que não devia ser de ninguém a nível pessoal, mas de todas e todos a nível colectivo, sem o ter anunciado. Não fez frente aos de cima, o que sempre se revelou mais claramente em alturas de crise, contra o que dizia que faria. Pôs Portugal na Comunidade Económica Europeia e aprovou vários tratados (e outro tipo de medidas) que põem em causa o direito de quem cá vive escolher o rumo político que coletivamente traçar, sem o sufragar. E etc. Pôs o socialismo na gaveta e, pelo caminho, em larga medida, também se esqueceu daquilo que devia ser um partido democrata, o que não deixa de ser curioso para um partido que começou a crescer apresentando-se como defensor inabalável da democracia.
O PS tem certamente gente decente, honesta e bem-intencionada nos seus e nas suas militantes. Mas que compactua há demasiados anos com uma política que não se diferencia da da direita. Isto faz destas e destes militantes do PS más pessoas? Não. Tal como, sublinho, há gente bem-intencionada nos partidos de direita. Mas não os faz sujeitos de uma política unificadora para a transformação da sociedade. Ser bem-intencionado não chega.
Chegamos ao ponto fundamental: o PS pode mudar? Pelo que nos diz a história do partido, e o que sabemos das suas disputas internas (na sua quase totalidade, disputas por lugares mais apetecíveis aqui e ali, e não por discordâncias políticas), acho sinceramente que a resposta é "não". Posso estar enganado, e se isso acontecer admiti-lo-ei, mas o PS não mudará. Ou mudará apenas no dia em que houver uma força com enorme pujança, e agregadora, à esquerda, que mude as coisas e que o leve a perder uma parte enorme da sua base social de apoio. Porque, como partido do poder que é, provavelmente ajustar-se-ia, como foi ajustando cada vez mais à direita a sua política económica. A discussão sobre o que fazer nessa situação (ou seja, como responder a quem pouco tempo antes defendia o que agora se desmoronava) parece-me bastante abstrata. No entando, sempre me parece mais interessante do que falar das "puxadelas" que é preciso fazer ao PS para ele vir para a esquerda, porque ainda que seja abstrata parece mais real.
Não dá para puxar algo que pesa dez vezes mais que nós sem se esperar ser arrastado: não vale a pena esperar que quem, para evitar aprovar uma reforma fiscal justa (que seria viabilizada pela abstenção do Bloco de Esquerda ao Orçamento de Estado. Ver mais aqui: http://www.esquerda.net/opiniao/imposto-de-solidariedade-uma-hist%C3%B3ria-antiga-em-10-notas), preferiu negociar com um deputado do CDS, queira qualquer política alternativa.
É muito mais interessante pensar coletivamente como criar uma ampla força transformadora que ganhe a confiança das pessoas para "mudarmos o nosso futuro". E, já agora, criá-la.
A situação que presenciamos nos dias de hoje não é de todo animadora e, seja isto bom ou mau, nunca conseguimos fugir à sociedade em que vivemos. Pelo que é "natural" que seja ainda mais atrativo do que normalmente procurar soluções mágicas para o nosso futuro. Estou, no entanto, profundamente convencido de que a maneira de encontrar soluções é observar a realidade a fundo para a perceber, e daqui perceber o que se deve fazer. Por muito difíceis que as soluções se nos apresentam, sempre são mais razoáveis do que as não-soluções, que nenhum problema resolvem.