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O economista brilhante apresenta a sua lógica incontestavelmente científica: o país já era pobre e fingia que era rico. Agora, com a crise, finge que empobreceu. A crise é afinal a história de um estranho país que é um fingidor. E que chega a sentir que é fome a fome que deveras sente.
A este movimento chama Bento "empobrecimento aparente”. E quando explica que "o país empobreceu menos do que parece" a frase soa parecida com aquela outra que dizia que "a vida das pessoas não está melhor mas a vida do país está muito melhor."
Falar neste "país", nesta "economia", neste "crescimento", ora aí está a política do fingimento que se agarra às abstrações pseudo-científicas. A pobreza que não é aparente, que não é fingimento, que é real, que dói mesmo, essa terá de encontrar uma outra linguagem.
Mais um ano no ISCTE, mais um Fórum de Políticas Públicas. Mais um Fórum de Políticas Públicas, mais um festim do bloco central. É uma pena uma academia que se devia caracterizar antes de tudo pela diversidade de opiniões contribua para um dos preconceitos mais básicos da sociedade portuguesa: só o PS, o PSD e o CDS estão aptos para governar.
Personalidade de outros partidos ou sem filiação partidária nada têm acrescentar no debate sobre as políticas públicas. São também assim estes tempos. Tempos em que o pluralismo de uma democracia intensa ou já desapareceu ou tem andado bem desaparecido.
Não vou repetir o que aqui já disse muitas vezes sobre o perigo democrático, na acepção ampla de democracia - social, cívica, económica, cultural e política - que actual maioria de direita representa.
Para @ cidadã/o comum, mais ou menos militante, mais ou menos esclarecid@ sobre a questão em apreço, a grande lição a retirar deste processo é, do meu ponto de vista, a seguinte: a golpada parlamentar, a brincadeira aos referendos inconstitucionais - mero instrumento institucional para sonegar preconceitos antigos - compensa. E isso é tão ou mais destrutivo para o sistema democrático, como a indignidade d@s deputad@s que dão o dito pelo não dito, que mudam o seu anterior sentido de voto por pressões da sua direcção partidária ou @s que, pura e simplesmente, pelo mesmo motivo, se ausentam cobardemente desta votação.
Mas a crise do sistema democrático é coisa abstracta, de resolução, se o for, de médio e longo prazo. Bem pior, porque concreta e com impacto no dia a dia, é a situação das famílias a quem este projecto-lei se dirigia - aquelas de carne e osso, as realmente existentes, e não aquelas que os livros do Estado Novo preconizavam - que vêem o maioria parlamentar, e por isso o Legislador, impedir, com este chumbo, que uma solução legislativa, ténue e talvez insuficiente, mas uma solução, lhes dignificasse e melhorasse a vida. E isso é imperdoável.
De manhã à tarde, apresentavam-nos repetidamente casos edificantes de doentes que eram felizes apenas pelo poder do pensamento positivo. Pela noite, especializaram-se nos casos edificantes de pobres que tinham triunfado exclusivamente porque o seu pensamento positivo tinha dado a volta a todos os problemas.
O pensamento positivo tornara-se então omnipresente. Quem não partilhasse desse consenso mole decerto sofreria de algum problema. Deveria pois consultar um dos vários especialistas na matéria. E se não o fizesse mereceria ser condenado a que o mundo lhe caísse em cima por crime de velhodorestelianismo.
Por outro lado, quem o partilhasse mas não tivesse tido os resultados esperados, deveria acreditar com mais força e, se depois disso continuasse a falhar, deveria acreditar ainda com mais força. Se não o conseguisse fazer, claro, encontraria os especialistas prontos a intervir.
O lado negro do pensamento positivo lançava um manto de culpa e difundia um sentimento de que estaríamos errados por nossa culpa. Nunca dávamos ao positivismo tanto quanto ele exigia. No livre mercado do positivismo ficávamos sempre a perder. E seria cada vez mais urgente abraçar a sua normalização brutal e totalitária.
Mas não lhe chamavam ideologia.
1- Filosofia do conhecimento: "uma reestruturação da dívida sem uma auditoria é cega assim como uma auditoria sem uma reestruturação é vazia".
2- Ética: "assina sempre um manifesto como se o seu conteúdo se pudesse tornar lei universal num governo de esquerda".
3- Revolução copernicana: "até agora supôs-se que toda a nossa política tinha de se regular por objetos políticos como a «reestruturação da dívida» ou o «governo de esquerda» porém todas as tentativas de o fazer fracassaram. Por isso, tente-se ver se não progredimos melhor admitindo que os objetos têm de se regular pelo sujeito político, o proletariado."
Repetir 70 vezes: a condição de possibilidade de uma política de esquerda (e de uma reestruturação da dívida) é o controlo político democrático do proletariado.
«Tuttodeve cambiare affinchè tutto rimanga come prima.»
Il Gattopardo, Giuseppe di Lampedusa.
Parece que se lembraram de restruturar a dívida. O manifesto noticiado na revista Sábado conta com 70 'personalidades' da direita e da esquerda. Enquanto algumas destas pessoas andam há três anos a falar no tema (o programa do BE fala em reestruturação da dívida desde a chegada da troika e Francisco Louça é um dos signatários), muitas não ousariam sugerir tal coisa em 2011. Algo hipócrita mas esperado.
A reestruturação é o mínimo necessário para sair desta situação. Pessoalmente, creio que fechar as portas a uma possível anulação de parte da dívida não tem sentido. A dívida é um instrumento de dominação de credores sobre devedores, pior cuando os mecanismos de controle são quase inexistentes. Este é um tema que me levou inclusivé a discordar do rumo tomado pela "Iniciativa para uma auditoria cidadã à dívida pública" onde a reestruturação foi surgindo cada vez mais como a solução (no primeiro documento aparecia como um dos caminhos possíveis). O debate sobre a pertinencia e a legitimidade da dívida, essencial para encontrar soluções, perde força quando se apontam caminhos únicos a priori.
Mas o artigo da Sábado tem coisas mais pertinentes que o manifesto em si. Basta ler a João Cravinho para ver que a repetição de dogmas como o crescimento do PIB e a sua relação com a criação de emprego continuam presentes. Afirma Cravinho que a gestão das finanças públicas tem de ser feita "de modo a criar condições para que haja crescimento e emprego, porque sem isso [Portugal] nunca sairá da crise". Diz ainda Cravinho: "Trata-se de um apelo que se dirige a uma questão absolutamente decisiva para o nosso futuro que é preparar a reestruturação responsável da dívida para crescer sustentadamente com respeito pelas normas constitucionais com responsabilidade social e com democracia".
Não caro João Cravinho. O crescimento do PIB não é necessário para sair da crise. Tampouco é um requisito para criar emprego. Pretender que o crescimento ad infinitum do PIB é possível (e desejado) é pretender ignorar que este é incompatível com os recursos finitos do planeta. É que por muito que queiramos adaptar o mundo a uma visão mecânica (muitos mais simples, sem dúvida), são as leis da termodinâmica que regem a realidade. A entropia é tramada:a energia disponível transforma-se em desperdício e não há milagre tecnológico que reverta este processo. Podemos, no máximo, tirar mais proveito deste processo.
Tenho curiosidade em ler o manifesto (a publicar na próxima quarta-feira) só para ver se estas afirmações de Cravinho estão incluídas e são subscritas pelas 70 'personalidades'. Que os signatários e signatárias da direita e do centro-esquerda (em políticas económicas são mesma coisa) subscrevam tais crenças não diz muito sobre o panorama. Se a esquerda assina tais palavras, então é melhor que não esperemos nada de novo nos próximos tempos. Vamos andar de crise em crise, com períodos intermitentes de "capitalismo responsável", caminhando para o insustentável.
Já velhinho, Paulo entrou naquela sala há tanto esquecida. Lá bem no centro, apenas estava o relógio antigo que marcava a contagem regressiva para o glorioso dia da independência nacional. A espera compensara finalmente. Só era pena que agora... Paulo travou de imediato aquele pensamento duvidoso. Não era tempo disso mas de celebrar a vitória!
Apesar do pontapé do assessor do PSD a um jornalista não ter tido equivalência a um espancamento, a manifestação dos polícias parece que teve equivalência a uma revolução. A matemática política Relvas impõe-se no vazio de pensamento.
Tudo começou com estes olhos espalhados por tudo o que era carruagem do metro e autocarro da carris. Durante vários dias toda a gente comentava a estranheza da imagem. Mas enfim, hoje há marketing para todos os gostos. Não se devia ter desvalorizado. Estes olhos estavam mesmos a observar-nos e passados uns dias, a administração do Metro e da Carris decidiram desvendar a curiosidade:
Afinal a Carris e o Metro queriam dizer-nos para cada um de nós ser um vigilante do vizinho do lado. De facto, é cada vez mais comum que os responsáveis dos transportes de Lisboa fechem os olhos quando veêm as pessoas a passar sem passe. Eles sabem que para muita gente que vive em situações ultraprecárias, essa é a única forma de terem direito à mobilidade na cidade.
Mas a Carris e o Metro foram longe de mais. Mereceriam, no mínimo, que todos os cartazes fossem vandalizados. A sociedade não tem de ser um antro de bufos que controlam os pobres e que assistem apáticos à degradação dos transportes públicos e do direito à mobilidade.
Se pensam que assim é, estão mesmo enganados. As pessoas vão mandar o big brother à merda. Afinal de contas, ainda há dignidade neste país.
Disclaimer: estou a escrever este post às 21h50. Correndo o risco de ser desmentido pelos factos, é importante deixar registada a minha opinião neste momento sobre os eventos em curso no espaço em frente à Assembleia de República, onde decorre uma "manifestação" de forças de segurança.
Escrevi "manifestação", entre aspas, conscientemente. Porquê? Porque mesmo respeitando a raíz da palavra - manifestar, ou seja, tornar do conhecimento de outrém, ou dar de conta de algo - a verdade é que os eventos em curso não me parecem mais que uma gigantesca catarse, praticada por pessoas a quem a verdadeira mudança, e sobretudo os comportamentos que poderiam suscitá-la, não parecem interessar realmente. Afirmo isto por diversas razões.
Primeiro, por mover os manifestantes a intenção de obrigar os legisladores a alterar alguma da legislação que afectou as forças de segurança em Portugal. "Manifestar", nesse sentido, significa comunicar ou dar conhecimento a esses legisladores da insatisfação dessas forças de segurança. A pergunta que impõe fazer, neste caso, é a seguinte: os legisladores não dispunham dessa informação? Obviamente que dispunham. Desse ponto de vista, uma "manifestação" não serve, então, o propósito de comunicar algo, mas sim o de associar a esse conhecimento que é dado a outrém o argumento do número dos insatisfeitos, assim tornado visível nas ruas. E a dimensão desse número, usada como factor de coacção, poderia suscitar o cumprimento da intenção dos que se "manifestam", ou seja, que a legislação que os afecta seja alterada.
Tudo isto foi feito em Novembro. Estamos, hoje, Março. Para hoje foi marcada nova "manifestação". Esta é a minha segunda razão para usar esta expressão entre aspas. Porquê? Por se tratar da segunda vez que tal "manifestação" tem lugar exactamente no mesmo sítio, e exactamente com o mesmo conjunto de intenções. Que são, recordemo-lo, dar conhecimento de insatisfação, e dar visibilidade ao número dos insatisfeitos.
Volto a perguntar: não dispunham os legisladores dessa informação, isto é, de que existe insatisfação, e de que ela provém de um número significativo de elementos das forças de segurança? Obviamente que sim. Então, serve para quê, esta "manifestação"? É, simultaneamente, uma catarse e uma mordaça. Cria uma válvula de escape para a insatisfação, contendo-a num formato e sob uma liderança considerados de perigo menor, e de potencial real de transformação absolutamente nulo.
Não há novidade resultante desta "manifestação". Quem precisava de saber da insatisfaçao e do número dos insatisfeitos já o sabia. Repetir a "manifestação" é não apenas redundante mas amordaça outras formas de protesto - elas, sim, com outro potencial de influência e de transformação da prática dos legisladores. Não é preciso identificá-las, bastando apenas salientar que colocariam em risco determinados aspectos da vida dos próprios que consideram garantidos e acima de qualquer consequência da sua acção, independentemente daqueles sobre quem ela pesa.
Podemos questionar se é legítimo passar para essas formas de acção menos convencionais. A resposta a essa pergunta varia: mas podemos começar por devolver a pergunta, questionando a convencionalidade da violência que a legislação dos últimos três anos tem constituído sobre a vida da maior parte da população. Não creio que seja possível ser violentado para lá do que é tolerável à luz da Democracia, mas depois alegá-la para justificar a mordaça colocada sobre as formas de protesto que deviam corresponder a essa violência original. Sobretudo quando ela, essa violência original, é praticada por pessoas que não respeitam nem cumprem a Constituição que enquadra essa Democracia que usam como escudo. Não podemos furar as regras, e depois clamar pelo cumprimento delas quando isso nos é conveniente.
A dimensão catártica desta "manifestação" é ainda visível na absoluta ausência de preparação ou de estratégia para, hoje, produzir qualquer mudança política significativa. É possível dizer que um elemento de uma força de segurança, que jura fidelidade a um país e às suas leis, nunca deixa realmente de sê-lo, mesmo quando protesta, creio que a questão é mais funda, e radica precisamente na real ausência de intenção na produção genuína dessa mudança - e nisso são, deprimentemente, portugueses, feitos daquela portugalidade que prefere colher o benefício sem ter o trabalho, e que prefere que a História o bafeje com o sacrifício alheio. Mas é importante ir mais longe, e assumir que essa mudança nunca foi intenção desta "manifestação".
Porquê? Porque ninguém avança para uma manifestação a sério sem duas coisas, e nenhuma delas foi visível até este momento, 21h50: um conjunto claro de reivindicações, com calendário definido e medidas sancionatórias do seu incumprimento; e uma estratégia clara de demonstração de poder de transformação da realidade política do país, traduzida numa estratégia de tomada efectiva não apenas da escadaria mas do edifício. Quem, objetivamente, quer conseguir algo através de meios humanos, ou seja, de colectivos de pessoas, não concentra esforços de tomada de um espaço apenas na frente do mesmo, como tem sido visivel esta noite. Se a ideia é contornar as forças que protegem o edifício, parece-me claro que as forças de segurança em protesto têm formação suficiente para gizar um plano que o permita, e o qual passava por criar diversos focos de tensão, espartilhando aqueles que protegem o espaço ao ponto de serem incapazes de assegurar essa protecção. O que vemos até este momento? Meia dúzia de pessoas, todas concentradas no mesmo sítio, "aparentemente" a tentar "furar" uma barreira policial. Sejamos sérios: há matinés de miudos em discotecas da cidade de Lisboa onde a intenção de furar uma barreira de pessoas é mais consequente.
Tudo isto parece demasiado encenado para ser levado a sério. É um "protestozinho", um "agarrem-me senão vou ali" demasiado impreparado (para não dizer premeditadamente impreparado) para ser tomado como uma tentativa de transformação real de algo. Sobretudo de um algo cujo alcance continua a ser defendido como possível através do "diálogo", como se, três anos depois de conversa, os legisladores "dialogantes" não tivessem tido já oportunidade de tornar consequente esse diálogo. Não o foi até agora. Não foi por falta de diálogo, mas de intenção. E querer continuar a resolver as coisas com diálogo é a materialização acabada de que a transformação real não é objectivo de qualquer das partes envolvidas, mas sim a criação de uma catarse colectiva, que vá esfumando aos poucos até a mais renitente das fibras de indignação nacional. Das tais de que vamos tendo cada vez menos exemplos.
Até a forma como uma mera recepção por parte da Presidente da Assembleia da República, com a promessa de "levar" as "reivindicações" aos grupos parlamentares - como se eles as desconhecessem ainda... - é suficiente para dar por encerrado o circo. A mesma pessoa que parece só ter lido um livro e conhecer uma citação, que considera a casa da Democracia demasiado boa para aqueles e aquelas em cujas costas ela está apoiada, "promete" agir como a DHL do protesto securitário, e eis que toda a "manifestação" parece ter cumprido o seu grande objectivo: alguém do mesmo partido do Governo, que não consegue esconder que a ele ainda pertence em praticamente tudo o que faz, vai levar ao... Governo uma informação que ele... já tem.
É isto, a "democracia" e a "manifestação" em Portugal, em 2014: este imenso monte de nada, que estranhamente nos deixa satisfeita a barriga da honra. Vemos a encenação dela, e como bons telespectadores que somos da nossa própria vida, enternecemo-nos com mais uma valentissima demonstração de coisa nenhuma. Somos, definitivamente, os maiores. Já o dizia Vitor Gaspar.
Fiquemos todos, pois, a aguardar a próxima "manifestação". Aquela em que alguém vai dizer a outra pessoa o que ela já sabe, finda a qual ameaça que, proximamente, pode ter de vir dize-lo outra vez.