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Portugal é hoje um país que vive numa encruzilhada de tempos. No nosso tempo construímos e conquistámos coletivamente direitos que marcam uma agenda de modernidade civilizacional. Mas foi também no nosso tempo que vimos proliferar um velho conservadorismo bafiento de alguns setores da direita e da sociedade portuguesa que têm efetivado uma verdadeira agenda de atraso civilizacional.
Conquistámos o fim da perseguição das mulheres que recorriam à IVG, mas o Serviço Nacional de Saúde está a ser desmantelado. Conquistámos uma das mais avançadas leis da identidade de género, mas vimos o direito ao casamento por casais homossexuais não ser acompanhado pelo direito à adoção como em qualquer outro casamento. Conquistámos o Ensino Superior Público, mas cada vez menos estudantes têm condições económicas para o frequentar. Conquistámos diversidade de oferta cultural e de públicos, mas deixámos a cultura sem Ministério, sem orçamento e entregue a agendas economicistas. Conquistámos a lei da paridade, mas a violência doméstica e a desigualdade salarial continuam a ter uma marca de género.
Nas grandes disputas da modernidade encontrámos sempre uma barricada com dois lados bem distintos. De um lado encontrámos as forças sociais e políticas progressistas, os setores da esquerda com uma agenda de modernidade e efetivação de direitos. Do outro lado encontrámos sempre o conservadorismo dos setores mais reacionários da direita portuguesa, com um cheiro decadente a atraso e uma estranha nostalgia dos tempos mais podres e miseráveis da nossa história.
É esse o confronto do nosso tempo: um confronto entre quem quer que o futuro seja um regresso ao passado e quem quer que o futuro seja um tempo novo de direitos e liberdades. É esse o confronto que hoje temos pela frente com a JSD e a JP, essas locomotivas de produção de políticos profissionais, de analfabetos políticos que só não são forçados a emigrar porque têm na jota um referencial de emprego para a vida.
A JP aproveitou o Congresso do CDS-PP e o apoio de meia dúzia de secretários de estado do CDS para propor um recuo da escolaridade obrigatória para 9º ano. A JSD, na esperança de mobilizar as velhas ideias conservadoras da sociedade portuguesa, propõe um referendo à adoção e coadoção de crianças por casais homossexuais, achando que os direitos humanos, mesmo que com o apoio maioritário da sociedade, devem poder ser vedados a grupos socialmente discriminados. A JSD e a JP assumem o seu projeto: ter uma sociedade mais desigual, conservadora e autoritária. Uma sociedade onde a maioria deve ter o direito de impedir direitos fundamentais a uma minoria. Uma sociedade com menos qualificação em que o sistema da educação deve ser uma máquina reprodutora das desigualdades sociais.
Vejamos só a título de exemplo a comparação para o ano de 2001 e 2011 dos anos de escolaridade obrigatória numa série de países do mundo:
Figura 1: Anos de escolaridade obrigatória entre 2001 e 2011
Fonte: PNUD
Percebe-se três coisas. Em primeiro lugar, entre 2001 e 2011 ou se mantêm os números de anos de escolaridade obrigatório ou em muitos países aumenta. Em segundo lugar, Portugal está na linha dos países mais avançados na Europa neste domínio, e afasta-se de países de regiões do mundo com menos investimento neste campo. Em terceiro lugar, a Juventude Popular propõe que caminhemos em contraciclo com a maior parte dos países do mundo neste domínio.
A JSD e a JP deitam um cheiro subtil e ainda assim engulhoso a um período negro da nossa história que, em quase meio século de existência, apostou numa sociedade sem escolaridade, altamente desigual e onde a moral e os bons costumes eram os pretextos do conservadorismo mais reacionário.
O que a JSD e a JP propõem é um atraso civilizacional. Puro e duro, sem rodeios. Um cheiro bafiento a tempos dos quais não temos saudade. Um branqueamento mesquinho dos avanços nos direitos e na conquista da igualdade na sociedade portuguesa. A JSD e a JP não estão contentes. Viram uma sociedade que avançou mais do que os cérebros dos seus iluminados dirigentes. Viram que ao contrário das suas ideias mais obscuras, a sociedade portuguesa soube evoluir e lutar. A JSD e a JP estão histéricas. Viram uma sociedade passar-lhes à frente e não ficar presa aos símbolos mais podres que marcaram a nossa história coletiva. Viram que só eles ficaram presos numa nostalgia passadista e rançosa de um tempo cujo povo heroicamente soube ser coveiro.
A JSD e a JP têm de ser derrotadas. A sua derrota é condição de existência de um futuro.
Muita gente entra no primeiro dia do ano com uma grande ressaca. Dia 1 de Janeiro costuma ser um dia de dores de cabeça e mal-estar. Mas eu confesso que este ano ainda não me passou o enjoo. É que logo no início do ano chegou-me a notícia que o ilustre e prendado João Almeida já tinha chegado a Secretário de Estado.
Confesso que desde esse dia me vieram uns enjoos incontroláveis. Sempre que penso no João Almeida como Secretário de Estado perco a cabeça e tenho alucinações, o meu estômago fica às voltas, tenho dificuldade em respirar, dor de cabeça, irritação na pele e, se pensar muito, chego a ter que ficar alguns dias de cama.
Pensar que estou a ser governado por um João Almeida tira a energia, a saúde e a compostura a qualquer um.
João Almeida é o tipo que disse que os funcionários públicos que não concordam com o governo deviam basicamente despedir-se.
João Almeida é o típico boy da jota, neste caso da patega Juventude Popular, que aos 37 anos já leva 12 anos de deputado. Entrou no parlamento aos 25 e nunca mais quis sair. E, na verdade, tendo ele tirado um curso de direito, teve um percurso de vida santo, com um trampolim directo da universidade para o Estado, onde se preservou durante todos estes anos até agora ser, imagine-se, Secretário de Estado.
João Almeida agarrou-se ao osso e ninguém o demoveu. Aí de quem o contrarie. Está bem rodeado de lobos, todos à sua volta, a salivar, prontos para defender a sua mais promissora cria.
Este ex-presidente da JP, ainda que tenha deixado crescer a barba, lavado o cabelo, arranjado as unhas e comprado uns fatos caros com o dinheiro que foi amealhando, é o sinal de um país que apodrece. Apodrece um país e apodrecem também os seus órgãos de soberania. Ao ponto de darem enjoos.
Alguém tem um Guronsan?
Os trabalhadores da linha saúde 24 estão em luta. São só os mais recentes alvos deste governo: despedimentos, cortes saláriais, aumento do horário de trabalho e degradação do imprescindível serviço de saúde que prestam. Depois da greve, e perante o silêncio e a falta de respeito, os trabalhadores vão manifestar-se na próxma segunda-feira, dia 13, a partir das 10h30, com saída da Autoridade para as Condições do Trabalho e destino o Ministério da Saúde.
É pela dignidade. Uma luta deles, mas também uma luta nossa. Divulga !!
Tempos de austeridade são tempos de flagelação dos povos. São tempos de sacramento e odes à ideia única e totalizante de que para nos salvarmos temos de assumir a nossa culpa e confessar os nossos pecados. Tempos de austeridade são tempos de amar os credores financeiros sobre todas as coisas, pois neles reside a salvação das nossas vidas. Tempos de não invocar a santidade dos mercados em vão. Tempos de honrar a castidade e a abstinência na vida, de orientar os espíritos pela auto-contenção.
Há qualquer coisa de sacramental na ideia da austeridade. Nós, povos do Sul, pecámos. Gastámos o que não tivemos e pedimos emprestado sem ter condições para pagar. Nós cobiçamos a riqueza de outros povos e de outros países. Pecámos. Vivemos acima das nossas possibilidade. E agora, nenhuma alternativa teremos àquela que purifica as almas e os espíritos: confessar o pecado, pedir a absolvição e autoflagelarmo-nos para nos salvarmos.
É esse o sagrado. E o contrário é profano. Seremos punidos se não rejeitarmos a profanidade daqueles que não assumem o pecado e que, nas artérias subterrâneas da blasfémia e do sacrilégio, insistem em não se curvar perante os salvadores. Profanos que dizem que a austeridade é um saque aos povos. Profanos que dizem que não devemos pagar dívidas cuja responsabilidade é de outros. Profanos que nos dizem que é preciso enfrentar os nossos alegados salvadores. São esses, profanos, blasfemos, que é preciso evangelizar, domesticar e converter.
Jean Lauand da Faculdade de Educação da Universidade de S. Paulo e Dario Fortes Ferreira e Márcio Fernandes da Silva, todos ex-membros da Opus Dei, publicaram em 2005 Opus Dei – os Bastidores onde revelam as práticas mais bárbaras de autoflagelação praticadas dentro da instituição. Em entrevista os autores chegam a afirmar:
“Todos usavam [cilício],não só eu. Duas horas por dia. E as disciplinas, autoflagelação, uma vez por semana enquanto dura uma oração, por exemplo, uma salve-rainha” (Jean Laudand)
“[o cilício]Parece uma coleira de cachorro com pontas de ferro que penetram na carne. Você encaixa e faz pressão na perna. É significativo, porque mostra o grau de controle mental que a instituição consegue sobre o indivíduo” (Mário Silva)
Entrevista em: cin.ufpe.br
Em 2008, a Sábado já nos tinha mostrado numa ótima peça jornalística quem dirige a Opus Dei em Portugal e mais recentemente foi notícia a nomeação de um gestor financeiro da Opus Dei para adjunto do Ministro das Finanças. É pois natural uma contaminação dos universos.
Num documento interno que saiu fora dos rigorosos códigos de segredo da organização, constavam algumas recomendações para se descobrir o que motiva um devoto a perder a fé. Os investigadores pastorais devem saber que amizades a pessoa cultiva, se tem conselhos espirituais fora, qual é a sua correspondência, que livros leem, se está a passar por problemas económicos ou se vive dificuldades no casamento.
Há pois muito da obscuridade da Opus Dei nestes tempos que enfrentamos. Não apenas muita gente dessa seita nos lugares que governam o país e o mundo, mas sobretudo uma narrativa que se encrusta nas ideias coletivas e individuais, que neutraliza alternativas e que faz com que, como no uso do cilício na Opus Dei, vamos tolerando que nos ferrem o aço na carne.
O fomento disciplina (contenção em todos os domínios da vida), a autoflagelação (temos de pagar e sofrer porque vivemos acima das nossas possibilidades), a obediência ao culto e ao chefe (não se pode afrontar os mercados e os credores), a pregação da penitência (temos de fazer cortes, se queremos continuar a viver) são assim lugares comuns que nos vão fixando os açaimes.
Mas enquanto não desprendemos as amarras, enquanto o cilício nos vai pressionando a carne, é bom lembrar que na história, como na vida, há sempre um momento em que o poder se dilui na grandeza dos povos que se levantam do chão. Nesse momento, o futuro da humanidade não será mais, como escrevia Orwell, uma bota na nossa cara para eternidade. Será, pelo contrário, aquilo que dele fizermos.
E as ruas já vão sabendo a essa explosão.
Sou da opinião que nestes tempos de barbárie, a esquerda que quer ser esquerda não deve ambicionar menos do que vencer. Juntar milhares de pessoas em torno de ideias, de um programa e de um movimento popular permanente que sustente uma mudança estrutural na relação de forças em Portugal e na Europa. E para isso a disponibilidade para discussões em torno do que une e do que agrega e em torno de uma unidade que sustente uma verdadeira alternativa política é indispensável.
Há neste aspecto uma proposta do Bloco e do PCP de construção das bases para um Governo de Esquerda que tire Portugal da tirania financeira. Há um PS que pelo que defende e tem aplicado não conta nesta equação. Há uma proposta vaga e populista do LIVRE para unir a esquerda sem um programa de esquerda. E há agora o Manifesto 3D.
Não acho que o Manifesto 3D se possa resumir aos seus proponentes. Ele é o espelho de um sentimento que vai ganhando peso na sociedade portuguesa para mudar este estado de coisas. E gosto de muitas das pessoas que propõe o movimento e de muitas das quais o subscreveram. Muitas dessas pessoas sei que são pessoas honestas, com bons princípios e verdadeiramente empenhadas numa mudança de Portugal e da Europa à Esquerda.
Não acho pois que devam de nenhum modo ser hostilizadas. Até porque propõe o mais razoável: uma unidade na que consiga “recusar a submissão passiva de Portugal a uma União Europeia transformada em troika permanente”.
E se acho que a política se faz em torno do programa este manifesto propõe uma linha política clara no seu texto:
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Nove pontos razoáveis. Mas que por princípio tipificam essencialmente aquilo em que estamos contra. Estamos contra esta União Europeia, a austeridade, o memorando e os resgates (com este ou outro nome), a usurpação do sistema democrático pelo sistema financeiro, as desigualdades e injustiças sociais e económicas e a defesa do Estado Social. É por estarmos contra isso que defendemos o oposto: devolver dignidade ao trabalho, afirmar o carácter público dos sectores estratégicos, erradicar a pobreza, proceder a uma renegociação da dívida.
Mas para juntar e para vencer nestas europeias sabemos que não chega. Há pelo menos quatro pontos fundamentais que o movimento 3D e quem nas suas ideias se sente representado deve responder. Dessas respostas depende a sua vitória. E provavelmente a mudança da relação de forças em Portugal.
Se estivermos de acordo nisto, então acho que temos caminho para fazer em conjunto. Na verdade, construir uma maioria ganhadora em torno deste programa seria provavelmente a mudança mais decisiva na luta dos povos e na luta de classes das últimas décadas.
Não devemos fechar as portas a essa oportunidade.
O LIVRE já tem programa. Ou pelo menos uma parte do seu programa (ver em documentos: http://livrept.net/)
É uma reflexão inicial e que está aberta a contributos e reflexões. Literalmente aberta. Se os militantes do PSD, do CDS, do movimento pró-vida ou todos aqueles que, no geral, se advoguem “interessados na evolução da democracia portuguesa” quiserem, podem ajudar o LIVRE na construção do programa... Método à parte, vamos à política.
1. O problema da convergência
Diz o LIVRE que a questão da convergência é primordial para si. E identifica bem a evidência de que não tem havido convergência à esquerda. De facto, diria eu que do ponto de vista partidário o PCP e o Bloco convergem no parlamento e (quase sempre) na rua, mas não convergiram no passado recente com o PS nos apoio aos PEC´s, no apoio à privatização dos sectores estratégicos ou na desregulação do trabalho. E o mesmo também é verdade: o PS tem convergido com o PCP e o Bloco na oposição ao governo e aos seus últimos orçamentos, mas tem recusado convergir sempre no que toca à renegociação da dívida (que chumbaram…), na ruptura com o memorando, na rejeição da troika e na reforma do sistema fiscal.
Dito isto, o LIVRE chega a uma conclusão:
A nível nacional, as convergências à esquerda nunca se realizaram, o que é agravado pela naturalidade com que a direita política realiza acordos parlamentares ou de governo. Esta assimetria faz com que, em geral, os governos portugueses estejam ancorados à direita (com uma oposição à esquerda) ou ao centro (com oposição à esquerda e à direita), mas nunca ancorados à esquerda. A nível europeu, mesmo quando o quadro institucional o facilita, a esquerda portuguesa continua a não convergir, ao contrário do que se passa num grande número de países.
É fácil dizer que as convergências à esquerda não se realizaram em Portugal. Mas porque é que não se realizaram? Porque a Esquerda não estava disposta a viabilizar a austeridade e a destruição dos serviços públicos dos últimos dois governos do PS. E isso não reduz a Esquerda.
Pelo contrário, engrandece-a, dá-lhe coerência na sociedade portuguesa. Uma esquerda que aceitasse partilhar a governação de José Sócrates era uma esquerda morta e moribunda. Porque uma Esquerda digna desse nome defende um programa de Esquerda e a governação do PS nas matérias estruturantes para a sociedade (trabalho, direitos sociais, regulação económica serviços públicos e organização do estado) não foi de esquerda nem, como o LIVRE sugere, de centro: foi um partido de direita em todos os domínios.
Segundo erro (e nesse nem vou perder muito tempo): não é verdade que não haja convergência à Esquerda na Europa. Há convergência sempre que se votam medidas e propostas de esquerda para a europa. O que não há, e ainda bem, é nenhum consenso sobre o Tratado Orçamental que o PS aprovou ou o federalismo autoritário que Rui Tavares parece defender. E o facto de não haver convergência sobre esse assunto não reduz a Esquerda, pelo contrário.
2. O problema das alianças
O LIVRE protege-se bastante neste seu primeiro texto programático. Para resolver o problema da convergência começa por propor que o Congresso Democrático das Alternativas promova a “realização de um questionário, a enviar aos partidos, sindicatos, movimentos sociais e cidadãos individuais que se reconheçam como fazendo parte da esquerda portuguesa, e tendo por objecto as causas, consequências, e possíveis soluções para ultrapassar os bloqueios à esquerda”.
Eu respondo ao questionário com gosto. Mas antecipo já a resposta.
Defendo uma grande aliança social, popular e política em torno de: 1) Ruptura com o memorando e fim da austeridade; 2)Renegociação da dívida para rever prazos, montantes e juros; 3) Devolução dos salários e das pensões que foram roubados desde a assinatura do memorando pelo PS, PSD e CDS; 4) Uma reforma do sistema fiscal que coloque quem mais tem a pagar. Simples, curto e eficaz. Porque é que a Esquerda não converge? Porque apesar de o Congresso Democrático das Alternativas, do Bloco, do PCP, aa IAC e todos os fóruns e movimentos caminharem no sentido deste programa, ele ainda não é maioritário na sociedade, ao passo que o PS contínua amarrado ao memorando de entendimento, rejeita a renegociação da dívida, aprovou o pacto orçamental, não está disponível para mexer na estrutura da relação de forças económica que abalroa os direitos populares e continua a fazer o ignóbil discurso do PECIV.
3. O problema do programa
Além de considerações gerais e propostas de inquéritos, a grande linha de proposta programática do LIVRE está expressa no seu terceiro capítulo: “o arco constitucional e a frente progressista”. A tese é sobejamente conhecida, é defendida um pouco pelos jornais, blogs e vários comentadores e agora o LIVRE dá-lhe forma. Propõe um “memorando de desenvolvimento” que, ancorado na defesa da Constituição, junte todos os progressistas para uma governação alternativa. Acredito que seja uma proposta bem-intencionada mas não vai ao essencial: uma grande aliança em defesa da Constituição é suficiente para formar um programa de governação alternativa?
É óbvio que não. Basta ver que todos os PEC´s, Decreto 70/2010, alterações ao código do trabalho e privatização dos sectores estratégicos e transformação dos serviços públicos nos últimos anos foram feitos no quadro constitucional que temos. E foi por um motivo simples: a Constituição não é um referencial de programa de Governo, é pelo contrário a configuração social e política dos limites até onde um programa pode ir. E se a defesa da Constituição é hoje a nossa melhor forma de resistência e de aliança de massas (e acredito que seja) ela não constitui, em si mesma, um programa de governo capaz de ganhar na sociedade.
4. A “estratégia” do LIVRE para unir a esquerda nas europeias
No imediato temos as eleições europeias. O que é que o LIVRE tem a propor? Nada mais que isto:
Já no próximo ano, as eleições europeias permitem, pela sua especificidade, a organização de listas conjuntas, em candidaturas cidadãs e partidárias, no respeito da sua diversidade interna, e permitindo que os eleitos ocupem grupos parlamentares diferentes
A proposta é simples. Uma aliança que recusa uma convergência em torno programa. Uma aliança que apenas vale por si e que não têm nada para propor de comum. Ao ponto (e isso é o mais grave) de cada deputado depois ir para o seu grupo parlamentar na europa, como se uma lista fosse uma soma de individualidades e não uma entidade colectiva.
A tese é simples: juntamo-nos agora para depois cada um ir aplicar um programa diferente para a Europa. Uns aprovam tratados orçamentais, outros defendem o fim da austeridade, outros querem uma europa rendida ao federalismo.
É esse o problema de todo este debate. É que em torno da rejeição do tratado orçamental, do fim da austeridade ou da recusa do federalismo, não há nenhum acordo. É esse o problema simples da convergência: é que sem um programa de Esquerda pode haver muitas convergências, mas nunca haverá uma convergência de Esquerda. Nem em Portugal, nem na Europa.
Não seu o que é pior. Se é termos de ser representados por um pokemon em vias de extinção como o ilustre Bruno Maçães. Ou se é ter como candidato substituto "de esquerda" o não menos raro na fauna portuguesa Eurico Brilhante.
A ciência, o desenvolvimento e a liberdade científica são características fundamentais de sociedades mais desenvolvidas, coesas e democráticas. O desenvolvimento científico é potencialmente gerador de sociedades que se pensam melhor a si mesmas, que pensam melhor o mundo em que vivem e como o podem respeitar e usar para viverem melhor. Sabemos que há boas e más formas de usar o conhecimento produzido pelas ciências, mas também sabemos que não esse problema não se resolve acabando com o apoio à ciência mas antes estruturando uma dimensão ética do uso do conhecimento científico.
Mas sabemos também que governos autoritários desenvolvem sobre a ciência dois grandes tipos de política: o primeiro é o de cortar brutalmente o financiamento e o apoio à democratização da produção científica; o segundo é o condicionar o apoio à atividade científica que justifique as teses, os lóbis e as narrativas de quem está no poder. Pouca ciência e ciência controlada politicamente sempre foram um projeto autoritário. O governo autoritário que hoje exerce funções em Portugal não foge à regra e já deu luzes sobre os seus objetivos: cortar nos apoios generalizados à investigação científica e garantir que apenas tem apoios se não ousar produzir conhecimentos que deslegitimem o poder.
Os números recentes do Inquérito ao Potencial Científico e Tecnológico Nacional, mesmo com dados de 2011 do ano em que Passos Coelho entrou no Governo, são claros: nesse ano houve uma quebra 140 milhões de financiamento geral à ciência em relação ao ano anterior. Só o Estado, entre 2009 e 2011 reduziu 8 milhões de financiamento, enquanto as Instituições de Ensino Superior – atualmente asfixiadas financeiramente pelo Estado -, reduziu em 23 milhões de euros o financiamento. 2011 foi por isso o orçamento mais baixo desde 2008. Mas se parte desta tendência não é da inteira responsabilidade deste Governo, será que o Orçamento de Estado deste ano, aposta uma inversão desta tendência? Naturalmente que não.
Este Orçamento de Estado aposta numa redução do orçamento disponível para a FCT em cerca de 4%, passando o seu orçamento de 416 milhões de euros para 404 milhões de euros. Este é o seguimento do que tem sido aplicado nos últimos anos: de 2012 para 2013, a FCT já tinha perdido 53 milhões de euros. Por outro lado, o Orçamento de Estado corta 26 milhões de euros em bolsas de investigação científica, reduz em16% o investimento na ciência, quando comparado com 2011. Ao mesmo tempo que a FCT – Fundação para a Ciência e Tecnologia -, já anunciou o corte no número de bolsas de doutoramento e pós-doutoramento e uma redução do financiamento aos centros de investigação. A intenção é só uma: vedar o acesso a condições de investigação e condicionar a atividade científica.
Mas não é só por via nos cortes generalizados à ciência que se dá este ataque. É bom lembrar acarta enviada à FCT pela Associação Portuguesa de História Económica e Social, a Associação Portuguesa de Ciência Política, a Associação Portuguesa de Sociologia, a Associação Portuguesa de Psicologia, a Associação Portuguesa de Antropologia e a Associação Portuguesa de Geógrafos.
Nesta carta, as associações científicas das ciências sociais contestam os critérios da escolha do conselho científico de ciências sociais e humanas da FCT, considerando que não preenchem critérios de exigência científica e currículo académico, solicitando a revogação da decisão. É sintomático uma unidade tão grande de tantas associações na contestação do júri. E não é para menos. A perplexidade das associações quanto à composição do júri, é a mesma que a de muitos candidatos a bolsas da FCT que alteram deliberadamente as suas escolhas científicas na feitura do projeto porque sabem que o financiamento depende também do facto de os objetos de estudo interessarem ou não a quem está no poder. É assim que se substitui auto-organização, solidariedade, classes, resistência, identidades coletivas, desigualdades, movimentos sociais, precariedade, por empreendedorismo, resiliência, inovação, globalização, modernização, liderança e competitividade. Diferentes conceitos refletem diferentes escolhas do que se quer investigar. E em questões de financiamento, para o poder há coisas mais e menos legítimas para se estudar. É por isso, a título caricatural, que hoje uma pessoa que quer ter acesso a uma bolsa de investigação, se colocar empreendedorismo no título, as suas probabilidades aumentam substancialmente.
É certo que não é sempre assim, que há quem insista em contrariar estas tendências e oriente a sua conduta académica pelo rigor na avaliação de projetos. São pessoas que nas universidades portuguesas e nos centros de investigação orientam a sua conduta por ética e responsabilidade pública. Pessoas que não cedem à pressão. Ainda bem que assim é. É de todas essas pessoas que precisamos, para lutar por uma ciência que não se deixa vencer, nem consumir pelas narrativas do poder.
No fim-de-semana passado fui ver um concerto e vi à porta algumas pessoas a recolher assinaturas para o LIVRE. Lembrei-me que embora tenha tido vários impulsos e muita vontade de escrever, ainda não tinha escrito nada sobre o novo partido, que diz que vem para desbloquear a esquerda.
Acho que só não o fiz pelo menos por dois motivos. Primeiro porque não gosto especialmente de discussão metafísica a martelo. Isto é, custa-me bastante tecer grandes argumentos sobre a estratégia política de um partido cuja carta de princípios se centra em grandes universos de significados existenciais. Neste caso é a ecologia, a europa, o socialismo, a esquerda, a democracia, o universalismo. A avaliar pela explicação tão simplista e pouco cuidadosa de cada um, são estes como podiam ser outros. Em nenhum dos seus grandes conceitos universais vai ao essencial: qual é o seu programa e em que diferente das restantes forças já existentes nesses princípios?
O segundo motivo porque ainda não tinha escrito é porque me irrita centrar a discussão política em torno do feitio das pessoas, dos partidos, bem como em torno de poesia e grandes metáforas. Isto é, dizer que “uma esquerda que cada um puxa para o seu lado não vai para a frente”, ou dizer que o problema da convergência à esquerda é um problema dos feitios dos partidos de esquerda que não se querem juntar é pouco estimulante, além de demagógico e populista. É que em nenhum momento as metáforas poéticas sobre o mau feitio das esquerdas vão ao essencial: ao programa. É que se a questão da convergência é o tema central do LIVRE então já passava das parábolas e explicava o que é que propõe como programa de convergência para a esquerda.
Para lá da espuma dos dias, o que vai o LIVRE defender como programa de convergência? Quer manter-se no Euro a que custo? O que acha da troika e de como nos devemos livrar dela? Como se posiciona sobre o federalismo? O que acha da austeridade antes e pós memorando da troika? Deve ser aplicada de forma inteligente ou deve ser parada na sua totalidade? Acha que existe austeridade com crescimento económico? Se recusa o pacto orçamental europeu, exclui o PS de um acordo político, uma vez que o PS o aprovou? E sobre os serviços públicos, revê-se nas políticas recentes do PS de que o Decreto 70/2010 é só a face mais violenta? E o que pensa sobre a política geral do PS nos últimos anos (privatizações, código do trabalho, PECs, cortes nos apoios sociais, reforma da saúde…)? O LIVRE acha que o PECIV era a salvação do país? Para o LIVRE quais são as condições mínimas para um Governo de Esquerda? Revê-se na opção da esquerda democrática grega ou na refundação comunista em Itália? E se o PS não se revir no seu programa mínimo, até onde estão dispostos a ir? Porque acha que o PS votou contra a renegociação da dívida proposta no parlamento? E porque acha que preferiu discutir com a direita um governo de salvação nacional do que com a esquerda a demissão do governo e a construção de um programa de esquerda alternativo?
Decidi escrever hoje, não sobre o LIVRE, mas sobre porque é que acho que até agora o LIVRE é uma não discussão. É que até ver, para além da poesia, das metáforas, de um site bonito e do mediatismo do seu protagonista, falta o essencial:
Qual é o programa do LIVRE para derrotar a troika, a política de austeridade, fazer convergir a Esquerda e vencer o capitalismo?
A crise que atravessamos é a pior crise da nossa história recente e a que tem tido uma resposta mais autoritária e ultraliberal. A destruição das conquistas históricas do movimento popular, dos trabalhadores e do povo coloca-nos dois problemas fundamentais: o de como resistimos e bloqueamos o ataque; e o de como atacamos, e preparamos uma alternativa para disputar a maioria, tomar e transformar o poder.
É sobre essa duas dimensões – a da resistência e a da alternativa – que importa ir ao combate. Se, como toda a esquerda reconhece, este é o maior ataque às conquistas populares de que temos memória deste o 25 de Abril, qual será a nossa missão histórica? Deixar a burguesia aprofundar o processo de exploração até não haver mais quem consuma os seus produtos, o sistema entre em colapso e o povo realmente perceba as virtudes do socialismo, do poder popular e da democracia directa? Ou devemos construir a resistência mais ampla de sempre à destruição dos serviços públicos, da constituição e dos direitos sociais que, no imediato, permitem bloquear o ataque da direita e fazer cair parte do seu programa ideológico?
É nesse prisma que nos devemos colocar. No prisma de quem sabe que resistir agora para não deixar que os trabalhadores e o povo percam os direitos que conquistaram é o melhor caminho para mudar a relação de forças e contra-atacar. Isso implica juntar na resistência quem terá muitas divergências sobre o projecto político futuro. É a vida. Nenhuma revolução ou processo de luta de massas se fez sem pessoas com ideias muito diferentes de como organizar a sociedade, a política e a economia a seguir à destruição das antigas formas de poder.
Coloco isto desta forma, meramente para dizer o seguinte: o que se passou na Aula Magna na passada quinta-feira não foi uma evidente demonstração da rendição da “esquerda institucional” à social-democracia decadente, como têm anunciado algumas pessoas nos mais diversos quintais. Bem pelo contrário. Se há forma mais dialéctica de preparar condições para a disputa de massas, é perceber em cada momento que relações de força pode ajudar a trazer mais gente para os combates fundamentais que agregam.
O que vi na Aula Magna não foi a “esquerda institucional” rendida. Foram centenas de pessoas do mais diversos espaços de activismo e militância a afirmar que a defesa da Constituição, do Estado Social e da Democracia não são para amanhã, são para agora. Porque eles ainda são o que hoje nos permite resistir à brutal ofensiva do capital sobre o trabalho que vivemos tão nitidamente.
E mesmo que na sala houvesse muitos oportunistas, muita gente que começou a destruição do Estado Social que agora diz querer defender, há uma coisa que percebemos: o incómodo dos fiéis da austeridade e do paco orçamental com aquele encontro é justificado e é muito significativo. É que alargar o campo da resistência sem sectarismos em torno da defesa do essencial é a melhor arma para juntar mais gente à luta pelo que é imprescindível: uma sociedade alternativa, uma economia gerida colectivamente, o fim da exploração e do capitalismo.
Quem está disponível para esses combates, não está disponível para ficar a falar sozinho.
O Daniel Oliveira decidiu dissertar sobre o novo sujeito político de esquerda. Parte do argumentário sobre a que eleitorado se deve dirigir uma alternativa para vencer, já foi dado pelo Hugo Ferreira em baixo. Por isso, partilho só três interrogações que o novo sujeito ainda não respondeu. Talvez o Daniel nos pudesse ajudar. São sobre o programa.
É a esquerda a culpada pelo facto do Partido Socialista ser responsável pelo começo da austeridade, das privatizações, da liberalização das relações laborais e do ataque aos serviços públicos?
Não.
É a esquerda responsável pelo facto do Partido Socialista não querer romper com o memorando, renegociar a dívida e defender o Estado Social e pelo contrário fazer negociações com a direita, assinar o tratado orçamental e a regra de ouro e dizer que é possível crescimento económico e austeridade?
Não.
E o que é que um novo partido de esquerda vai fazer de diferente? Vai romper com a austeridade? Vai renegociar a dívida? Vai devolver salários e pensões? Vai implementar uma reforma do sistema fiscal que permita ter um Estado Social mais forte?
Se a resposta é sim, relembro que o Bloco e o PCP já têm proposto há vários meses esse programa e o PS, invariavelmente, tem rejeitado essas propostas de forma categórica. Com quem espera o novo partido fazer aliança afinal?
Se a resposta é não, eu percebo que para algumas pessoas seja aliciante partilhar responsabilidades de governo com o PS, mas em que parte do programa está um novo partido disponível para ceder? Austeridade, a dívida, o estado social, os impostos, ou tudo ao mesmo tempo?
No passado fim-de-semana aconteceu na Covilhã o "Covilhã Drum Fest". Uma noite de concertos de drum n´bass com um cartaz interessante e com músicos que raramente se juntam numa mesma noite, ainda para mais na Covilhã, cidade maravilhosa onde cresci, mas pouco habituada a programação cultural diversificada.
Por acaso não fui a casa no fim-de-semana e não fui aos concertos. Mas qual não foi o meu espanto quando um amigo meu me alertou para a lista de entidades organizadoras. Lá estava a Câmara Municipal, as discotecas locais, as empresas de viagens de finalistas, a Associação Académica da UBI e voalá... a JSD.
Que a JSD é uma organização sinistra e uma antro de promiscuidade entre o poder, o financiamento público e o caciquismo em todas as frentes, não havia grandes dúvidas. Agora que a JSD, uma organização política, se dê ao desplante de ser co-organizadora de um festival de drum n´bass, isso já é uma novidade. Deixaria no ar a questão de saber em que medida a JSD dar dinheiro para um festival de música se inclui no mínimo que seja de regras de uso de dinheiro público para actividade partidária.
Que a JSD deixe de ser uma jota para ser uma agência de eventos para mim é um bocado irrelevante. A JSD tem tanta relevância na minha vida como as empresas de autoclismos e sanitas. Ou se calhar até menos.
Mas não deixa de ser sintomático que uma organização política use dinheiros públicos para que o seu nome apareça directamente associado a uma festa onde vão algumas centenas de jovens. É um exemplo triste bem demonstrativo não apenas da utilidade da JSD na democracia portuguesa, mas sobretudo da estrumeira em que para uma parte significativa da actividade das "jotas".
Da minha parte, nem que a JSD reunisse os Pink Floyd para um último concerto eu lá meteria os pés. Nem a melhor música de sempre se sobrepõe à falta de escrúpulos da política.
Não sei o que é pior. Se os seus livros, se as suas declarações cada vez que abre a boca. Se já era conhecida pelo seu ódio às gordas, a sua tentativa de censura a João Pedro George por tecer críticas às suas obras, ou o processo crime contra Pedro George e os jornalistas José Manuel Fernandes, Isabel Coutinho, Pedro Tadeu e a Rute Coelho, agora a tia Margarida voltou à passerelle.
Disse em entrevista sete ideias fortes:
Margarida Rebelo Pinto é uma tonta. Um vómito de senso comum, que tem a sorte de ter pessoas pouco literadas fazem dela uma imagem comercial a pretexto de umas histórias mal contadas de amor e drama.
A tia Margarida é perigosa porque tem um estatuto mediático que lhe permite vomitar sete barbaridades e ainda assim ser ouvida por alguns milhares de pessoas.
Mas o melhor antídoto contra a tia Margarida já foi feito. E é obrigatório citá-lo: Bruno Nogueira incendiou Margarida Rebelo Pinto e fez-me ter um dia bem mais feliz.
É Sábado. Entre o MOB - espaço associativo e a Escola de Música do Conservatório Nacional.
Há documentários. Organizações de França, Grécia, Estado Espanhol e Alemanhã. Debates abertos com investigadores, activistas, jornalistas, actores, sindicalistas, músicos, geógrafos, economistas e tantos outros.
E há workshops políticos de música, stencil, comissões de trabalhadores ou serigrafia.
E ainda há tempo para festa e conhecer muita gente. E uma peça de teatro fórum.
Faltam três dias, aparece por lá, para um fim-de-semana bem passado.