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«Tuttodeve cambiare affinchè tutto rimanga come prima.»
Il Gattopardo, Giuseppe di Lampedusa.
Parece que se lembraram de restruturar a dívida. O manifesto noticiado na revista Sábado conta com 70 'personalidades' da direita e da esquerda. Enquanto algumas destas pessoas andam há três anos a falar no tema (o programa do BE fala em reestruturação da dívida desde a chegada da troika e Francisco Louça é um dos signatários), muitas não ousariam sugerir tal coisa em 2011. Algo hipócrita mas esperado.
A reestruturação é o mínimo necessário para sair desta situação. Pessoalmente, creio que fechar as portas a uma possível anulação de parte da dívida não tem sentido. A dívida é um instrumento de dominação de credores sobre devedores, pior cuando os mecanismos de controle são quase inexistentes. Este é um tema que me levou inclusivé a discordar do rumo tomado pela "Iniciativa para uma auditoria cidadã à dívida pública" onde a reestruturação foi surgindo cada vez mais como a solução (no primeiro documento aparecia como um dos caminhos possíveis). O debate sobre a pertinencia e a legitimidade da dívida, essencial para encontrar soluções, perde força quando se apontam caminhos únicos a priori.
Mas o artigo da Sábado tem coisas mais pertinentes que o manifesto em si. Basta ler a João Cravinho para ver que a repetição de dogmas como o crescimento do PIB e a sua relação com a criação de emprego continuam presentes. Afirma Cravinho que a gestão das finanças públicas tem de ser feita "de modo a criar condições para que haja crescimento e emprego, porque sem isso [Portugal] nunca sairá da crise". Diz ainda Cravinho: "Trata-se de um apelo que se dirige a uma questão absolutamente decisiva para o nosso futuro que é preparar a reestruturação responsável da dívida para crescer sustentadamente com respeito pelas normas constitucionais com responsabilidade social e com democracia".
Não caro João Cravinho. O crescimento do PIB não é necessário para sair da crise. Tampouco é um requisito para criar emprego. Pretender que o crescimento ad infinitum do PIB é possível (e desejado) é pretender ignorar que este é incompatível com os recursos finitos do planeta. É que por muito que queiramos adaptar o mundo a uma visão mecânica (muitos mais simples, sem dúvida), são as leis da termodinâmica que regem a realidade. A entropia é tramada:a energia disponível transforma-se em desperdício e não há milagre tecnológico que reverta este processo. Podemos, no máximo, tirar mais proveito deste processo.
Tenho curiosidade em ler o manifesto (a publicar na próxima quarta-feira) só para ver se estas afirmações de Cravinho estão incluídas e são subscritas pelas 70 'personalidades'. Que os signatários e signatárias da direita e do centro-esquerda (em políticas económicas são mesma coisa) subscrevam tais crenças não diz muito sobre o panorama. Se a esquerda assina tais palavras, então é melhor que não esperemos nada de novo nos próximos tempos. Vamos andar de crise em crise, com períodos intermitentes de "capitalismo responsável", caminhando para o insustentável.