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Algum tempo atrás foi aqui lançado um manifesto para desunir a esquerda. Manifesto provocador, é verdade, mas no qual me revi pois apontava para uma questão chave: na urgência de enfrentar o governo e a troika, não podemos esperar que a afirmação de alternativas à esquerda seja conseguida fazendo tábua-rasa da diversidade de reivindicações e de identidades da dita cuja (usando os termos então adoptados). No aplanar dessas diferenças está a nossa fraqueza, não a nossa força. A união, enquanto “concórdia de vontades” tão heterogéneas, e num contexto tão complexo como o actual, dificilmente se consegue em menos de meia dúzia de meses. Basta pensar na experiência do “Começar de Novo”, que esteve na base da criação do Bloco de Esquerda (e cuja a morte foi já declarada milhentas vezes) e nas dificuldades de um percurso colectivo de cerca de 15 anos, para perceber o complicadito que isto tudo é. É que às vezes tanta unidade até cansa!

 

Subjacente a este debate da união das esquerdas há um conjunto de contradições que atravessa a política partidária (e imagino eu, que não sejam exclusivas do Bloco) e os movimentos sociais. São algumas dessas contradições que gostaria de apontar pois me parecem cruciais para entender os limites e as possibilidades de construção de alternativas à esquerda. Distingo sete contradições: o individual e o colectivo; a política e a emancipação; a política e o social; o nacional e o internacional; o crescimento e a ecologia; o trabalho e a vida; a resistência e a transformação. Abordarei as três primeiras agora e as restantes num próximo post.

 

O individual e o colectivo
Há muito que a acção colectiva não andava tão na moda. Os protestos dos últimos anos trouxeram um novo alento num mundo onde o invidualismo impõe o isolamento. No entanto, e curiosamente, com ela afirmou-se também a desconfiança em relação às organizações, em particular as tradicionais, nomeadamente partidos e sindicatos (mas não só). Desde as acampadas até aos congressos das alternativas (e ninguém dirá que se trata de uma mesma cultura política), viu-se a afirmação fabulosa de que “aqui não há organizações, só pessoas, individualmente”. Alguém acredita nisso? Alguém acredita que a capacidade de participação e o peso político de cada pessoa está imaculado das relações sociais em que se insere? Não nos iludamos: no contexto da disputa política, actores fracos dependem muito mais da sua capacidade organizativa para fazer valer os seus interesses e têm muitas mais difuldades de acesso a recursos cruciais para os resultados dessas disputas, como é o caso dos meios de informação e media.

 

A política e a emancipação
Esta contradição tem-se cruzado com um tema crítico no debate marxista, que pode ser resumido na velha máxima: o desenvolvimento de cada um[a] é a condição para o livre desenvolvimento de todos [ou de todas as pessoas, digo eu]. Se as correntes comunistas têm colocado a tónica da condição de emancipação no colectivo, as social-democratas colocaram no individual. As contradições abarcam desde as concepções totalitárias do Estado nas experiências de socialismo real até à capitulação da social-democracia numa espécie de “social-liberalismo”. Por outro lado, resumir a ideia emancipação à igualdade formal e à institucionalização de direitos pode ter sido eficaz na época dourada do capitalismo mas coloca hoje a esquerda na defensiva face ao resgate das estruturas institucionais pela chantagem do défice. Isso significa que devemos deitar fora o potencial progressista do processo de institucionalização de direitos verificada no pós-guerra? Claro que não. Mas não substimemos o impacto cultural que teve o neoliberalismo. É nesta linha que as recentes mobilizações têm um potencial assinalável – o ressurgimento da onda libertária é indicador disso mesmo.

 

A política e o social
“O que interessa é a política, não podemos andar por aí a fazer caridade.” Confesso que cansei-me dessa. Reformulo a questão levantada anteriormente: alguém acredita que a capacidade de participação e o peso político de cada pessoa está desligada das suas condições materiais e culturais de participação? A questão não se coloca apenas em termos de princípios democráticos, mas também em termos de resultados: alguém acredita que uma força alternativa que não envolva os sectores mais afectados pela austeridade tenha realmente a capacidade de mudar as relações de poder dominantes e ter um papel realmente transformador? A incapacidade de reconhecer, à esquerda, a importância deste problema é uma das razões pelas quais a extrema direita e os movimentos de cariz conservador (por exemplo, a igreja católica ou até mesmo as IURD's e afins) e populista têm encontrado espaço aberto para disputar o apoio de sectores populares. Não basta condenar a ascensão dos neofascismos. Antes disso é necessário responder ao caldo social e político que os alimenta. E entenda-se: voluntarismo humanista por si só, sem trabalho de conciência crítica emancipatória, não é solidariedade, é paternalismo caridoso; política sem atender à dimensão humana dos tempos que se vive é abstração pura e facilmente se enrederá no tacticismo.

 

(continua)

 

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publicado às 15:13

Fazer a luta toda

por Hugo Ferreira, em 04.02.14

"Ah e tal tantos problemas mais urgentes no Ensino Superior, o corte nas Bolsas, o RJIES, o processo de Bolonha, o corte na Ciência e esta malta quer é falar das praxes..." 2014.

"Ah e tal tantos problemas mais urgentes no país, a pobreza, o desemprego, o déficit e esta malta quer é falar na descriminalização do aborto, no casamento de pessoas do mesmo sexo, nas drogas..." Início do século XXI.

Mudam-se os contextos, mas o argumentário, esse, é sempre o mesmo. Da minha experiência, sei bem que quem se bateu pela despenalização do aborto, pelo fim das discriminações aos homossexuais ou contra a praxe, nunca faltou à chamada no combate à precariedade, ao desemprego, aos cortes da Acção Social Escolar, ao processo de Bolonha ou ao RJIES.

Há quem não o entenda e quem ridicularize, mas "fazer a luta toda" é isto mesmo. 

O que seria da nossa civilização se os "radicais fracturantes" não tivessem, contra ventos e marés, lançado debates, quebrado tabus, levado "pancada", sido marginalizados e estigmatizados, argumentativa e socialmente, não tivessem, resumidamente, aberto caminho para a criação de novos consensos sociais em relação a todas aquelas matérias de costumes e de direitos civis?

Conseguimos, é verdade. Falta muita coisa? Falta. Atenuaram-se algumas opressões (de género, de orientação sexual, etc) e acentuaram-se outras, como a opressão económico-laboral. Mas há alguma relação de causa-efeito entre o avanço numas matérias e o recuo noutras? Estaremos perante dois combates distintos (o da opressão económica e o da opressão de direitos civis) ou diante de um único combate contra um sistema, o Capitalista, que tem no seu ADN a Opressão?

Forças progressistas sempre existiram, mas hoje, mais do que a sua mera existência, é fundamental reconhecer que elas "contam", são relevantes, têm tido resultados e promovido avanços. Não é pouca coisa.

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publicado às 11:38

Sobre a social-democracia

por Samuel Cardoso, em 02.02.14

"A esquerda socialista bate-se por reformas em marco capitalista? Claro que sim. Acaso um sistema fiscal progressivo é, em si mesmo, «anticapitalista»? Acaso uma política industrial que crie emprego é, em si mesma, «anticapitalista»? Ou a defesa do Estado-providência? Entendamo-nos: o capitalismo desenvolvido foi capaz de viver com estes compromissos e em vários países emergentes, nomeadamente na América Latina, é isto que hoje se faz: crescimento com redistribuição social. Dito isto, fiscalidade progressiva, emprego e formação, requalificação industrial com respeito pelo ambiente, politicas sociais eficazes e sob controlo público, fazem parte de qualquer projecto de transição socialista. Todo o socialismo que se ganhar em marco capitalista é «nosso», ou seja, anuncia ele próprio o socialismo que há-de vir. Por outro lado, não sendo, em si mesmas, «anticapitalistas», as linhas e estratégias enunciadas insurgem-se contra a lógica actual do capitalismo globalizado, assente na liberdade ilimitada de circulação dos capitais e na diminuição do peso do Estado nas sociedades contemporâneas. É por isso mesmo que a luta pelas reformas sociais e económicas, que se poderiam situar, sem dificuldade, na melhor tradição da social-democracia europeia, exige hoje governos de forte inspiração popular."

 

 

Mesmo para quem pensa que a social-democracia é o objectivo a alcançar (por princípio ou excepcionalmente, devido à gravidade e profundidade da situação presente): esperar que sejam os Partidos Socialistas europeus (eventualmente com uma ajuda para "encarrilharem"), submersos na lógica neoliberal de encarar a vida em comunidade, a levar a cabo uma mudança, séria, de políticas parece ser um bom caminho para uma desilução completa e para a cedência a um sentimento de fatalidade. 

 

Quem é o autor do texto? Miguel Portas.

Citação tirada daqui: http://unipop.info/http/www.unipop.info/images/01_impropria_inq_esquerdas.pdf

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publicado às 20:20

A esquerda que conta

por Samuel Cardoso, em 30.12.13

Este texto do Castro Caldas, de 2011, ilustra bem porque é que, a meu ver, a esquerda que acha que a história ainda não acabou e que quer mesmo mudar as coisas não deve cair no erro de se juntar a partidos que, debaixo do manto da esquerda, fizeram tudo demasiado parecido aos de direita. Se não defendemos o que acreditamos, e só o "menos pior", acabamos a ser como el@s. Por último, a falta de unidade da esquerda nos assuntos essenciais é uma mentira: alguém que ma queira provar diga-me quantas (e quais, já agora) votações na AR o Bloco e o PCP não votam juntos. O PS não vota a favor de propostas para combater a pobreza infantil (um exemplo entre tantos outros), deve ser certamente "porque somos sectários" e "não os sabemos puxar para a esquerda".

"Acho que descobri por que é que a encenação de discórdia entre os “partidos do arco da governação” é tão insuportável. Porque violenta a lógica, transformando uma conjunção de verdades numa falsidade. 

O PS acusa o PSD de querer privatizar tudo e mais alguma coisa. É verdade. O PSD lembra que o PS tem sido o campeão das privatizações. Também é verdade. O PS diz que o PSD quer uma saúde para ricos e outra para pobres, destruindo o SNS universal e tendencialmente gratuito. É verdade. O PSD lembra que o PS não se cansa das parcerias com o privado que entregam a gestão dos hospitais aos privados e está a privatizar o SNS. Também é verdade. O PS acusa o PSD de querer destruir o Estado Social. É verdade. O PSD responde que o PS, dizendo defender o Estado Social, tem vindo a destrui-lo de facto. Também é verdade. 

Os partidos do “arco da governação” que estão de acordo no acordo com a troika defendem o Sector Público Empresarial, o SNS e o Estado Social. É falso. Conclusão: da conjunção de verdades resulta uma falsidade."
Daqui: http://ladroesdebicicletas.blogspot.pt/2011/05/sob-o-manto-diafano-da-verdade.html

 

 

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publicado às 12:40

Manifesto 3D e os desafios da unidade à esquerda

por João Mineiro, em 18.12.13

 

 

Sou da opinião que nestes tempos de barbárie, a esquerda que quer ser esquerda não deve ambicionar menos do que vencer. Juntar milhares de pessoas em torno de ideias, de um programa e de um movimento popular permanente que sustente uma mudança estrutural na relação de forças em Portugal e na Europa. E para isso a disponibilidade para discussões em torno do que une e do que agrega e em torno de uma unidade que sustente uma verdadeira alternativa política é indispensável.

 

Há neste aspecto uma proposta do Bloco e do PCP de construção das bases para um Governo de Esquerda que tire Portugal da tirania financeira. Há um PS que pelo que defende e tem aplicado não conta nesta equação. Há uma proposta vaga e populista do LIVRE para unir a esquerda sem um programa de esquerda. E há agora o Manifesto 3D.

 

Não acho que o Manifesto 3D se possa resumir aos seus proponentes. Ele é o espelho de um sentimento que vai ganhando peso na sociedade portuguesa para mudar este estado de coisas. E gosto de muitas das pessoas que propõe o movimento e de muitas das quais o subscreveram. Muitas dessas pessoas sei que são pessoas honestas, com bons princípios e verdadeiramente empenhadas numa mudança de Portugal e da Europa à Esquerda.

 

Não acho pois que devam de nenhum modo ser hostilizadas. Até porque propõe o mais razoável: uma unidade na que consiga “recusar a submissão passiva de Portugal a uma União Europeia transformada em troika permanente”.

 

E se acho que a política se faz em torno do programa este manifesto propõe uma linha política clara no seu texto:

 

««

  1. A prioridade é o respeito pela democracia e pela Constituição, impedindo que os interesses da finança se sobreponham aos direitos dos cidadãos.
  2. Necessidade de pôr travão à austeridade e renegociar a dívida.
  3. Impedir o sufoco de novos resgates e memorandos, com esse ou outro nome.
  4. Devolver dignidade ao trabalho, começando por actualizar o salário mínimo e garantir a negociação colectiva.
  5. Combater as injustiças na distribuição do rendimento e da riqueza, moralizando o sistema fiscal.
  6. Erradicar a pobreza.
  7. Afirmar que a saúde, a educação e as pensões não são mercadorias e que o Estado Social não está à venda.
  8. Preservar o carácter público da água, dos serviços postais e dos transportes colectivos. “
  9. Também convergimos na vontade de impedir que a União Europeia seja um espaço não-democrático, baseado na relação desigual entre ricos e pobres, credores e devedores, mandantes e mandados

»»

Nove pontos razoáveis. Mas que por princípio tipificam essencialmente aquilo em que estamos contra. Estamos contra esta União Europeia, a austeridade, o memorando e os resgates (com  este ou outro nome), a usurpação do sistema democrático pelo sistema financeiro, as desigualdades e injustiças sociais e económicas e a defesa do Estado Social. É por estarmos contra isso que defendemos o oposto: devolver dignidade ao trabalho, afirmar o carácter público dos sectores estratégicos, erradicar a pobreza, proceder a uma renegociação da dívida.

Mas para juntar e para vencer nestas europeias sabemos que não chega. Há pelo menos quatro pontos fundamentais que o movimento 3D e quem nas suas ideias se sente representado deve responder. Dessas respostas depende a sua vitória. E provavelmente a mudança da relação de forças em Portugal.  

  1. Estamos dispostos a assumir que a defesa de Portugal da tirania da finança e a rutura com esta União Europeia pode implicar uma rutura com o Euro para a qual Portugal e outros povos da Europa devem estar preparados?
  2. Recusamos a proposta de federalismo europeu criando uma União Europeia com ainda maior capacidade de definição vida política dos seus estados membros?
  3. Temos uma estratégia de construção de movimento popular à escala nacional e sobretudo europeia que sustente a proposta política de rutura com a dívida e a austeridade?
  4. Concordamos que só é possível implementar uma política deste tipo com uma unidade internacional e internacionalista clara e uma definição apriori de quais são as forças políticas na europa com quem queremos construir uma aliança para derrotar a ditadura do ditat europeu?

 

Se estivermos de acordo nisto, então acho que temos caminho para fazer em conjunto. Na verdade, construir uma maioria ganhadora em torno deste programa seria provavelmente a mudança mais decisiva na luta dos povos e na luta de classes das últimas décadas.

 

Não devemos fechar as portas a essa oportunidade. 

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publicado às 13:52

 

 

O LIVRE já tem programa. Ou pelo menos uma parte do seu programa (ver em documentos: http://livrept.net/)
É uma reflexão inicial e que está aberta a contributos e reflexões. Literalmente aberta. Se os militantes do PSD, do CDS, do movimento pró-vida ou todos aqueles que, no geral, se advoguem “interessados na evolução da democracia portuguesa” quiserem, podem ajudar o LIVRE  na construção do programa... Método à parte, vamos à política.

 

1. O problema da convergência

 

 

Diz o LIVRE que a questão da convergência é primordial para si. E identifica bem a evidência de que não tem havido convergência à esquerda. De facto, diria eu que do ponto de vista partidário o PCP e o Bloco convergem no parlamento e (quase sempre) na rua, mas não convergiram no passado recente com o PS nos apoio aos PEC´s, no apoio à privatização dos sectores estratégicos ou na desregulação do trabalho. E o mesmo também é verdade: o PS tem convergido com o PCP e o Bloco na oposição ao governo e aos seus últimos orçamentos, mas tem recusado convergir sempre no que toca à renegociação da dívida (que chumbaram…), na ruptura com o memorando, na rejeição da troika e na reforma do sistema fiscal.
 

Dito isto, o LIVRE chega a uma conclusão:
 

 A nível nacional, as convergências à esquerda nunca se realizaram, o que é agravado pela naturalidade com que a direita política realiza acordos parlamentares ou de governo. Esta assimetria faz com que, em geral, os governos portugueses estejam ancorados à direita (com uma oposição à esquerda) ou ao centro (com oposição à esquerda e à direita), mas nunca ancorados à esquerda. A nível europeu, mesmo quando o quadro institucional o facilita, a esquerda portuguesa continua a não convergir, ao contrário do que se passa num grande número de países.

É fácil dizer que as convergências à esquerda não se realizaram em Portugal. Mas porque é que não se realizaram? Porque a Esquerda não estava disposta a viabilizar a austeridade e a destruição dos serviços públicos dos últimos dois governos do PS. E isso não reduz a Esquerda.

 

Pelo contrário, engrandece-a, dá-lhe coerência na sociedade portuguesa. Uma esquerda que aceitasse partilhar a governação de José Sócrates era uma esquerda morta e moribunda. Porque uma Esquerda digna desse nome defende um programa de Esquerda e a governação do PS nas matérias estruturantes para a sociedade (trabalho, direitos sociais, regulação económica serviços públicos e organização do estado) não foi de esquerda nem, como o LIVRE sugere, de centro: foi um partido de direita em todos os domínios.

 

Segundo erro (e nesse nem vou perder muito tempo): não é verdade que não haja convergência à Esquerda na Europa. Há convergência sempre que se votam medidas e propostas de esquerda para a europa. O que não há, e ainda bem, é nenhum consenso sobre o Tratado Orçamental que o PS aprovou ou o federalismo autoritário que Rui Tavares parece defender. E o facto de não haver convergência sobre esse assunto não reduz a Esquerda, pelo contrário.

  

2. O problema das alianças 

 

O LIVRE protege-se bastante neste seu primeiro texto programático. Para resolver o problema da convergência começa por propor que o Congresso Democrático das Alternativas promova a “realização de um questionário, a enviar aos partidos, sindicatos, movimentos sociais e cidadãos individuais que se reconheçam como fazendo parte da esquerda portuguesa, e tendo por objecto as causas, consequências, e possíveis soluções para ultrapassar os bloqueios à esquerda”.

 

Eu respondo ao questionário com gosto. Mas antecipo já a resposta.

 

Defendo uma grande aliança social, popular e política em torno de: 1) Ruptura com o memorando e fim da austeridade; 2)Renegociação da dívida para rever prazos, montantes e juros; 3) Devolução dos salários e das pensões que foram roubados desde a assinatura do memorando pelo PS, PSD e CDS; 4) Uma reforma do sistema fiscal que coloque quem mais tem a pagar. Simples, curto e eficaz. Porque é que a Esquerda não converge? Porque apesar de o Congresso Democrático das Alternativas, do Bloco, do PCP, aa IAC e todos os fóruns e movimentos caminharem no sentido deste programa, ele ainda não é maioritário na sociedade, ao passo que o PS contínua amarrado ao memorando de entendimento, rejeita a renegociação da dívida, aprovou o pacto orçamental, não está disponível para mexer na estrutura da relação de forças económica que abalroa os direitos populares e continua a fazer o ignóbil discurso do PECIV.  

 

3. O problema do programa

 

 

Além de considerações gerais e propostas de inquéritos, a grande linha de proposta programática do LIVRE está expressa no seu terceiro capítulo: “o arco constitucional e a frente progressista”. A tese é sobejamente conhecida, é defendida um pouco pelos jornais, blogs e vários comentadores e agora o LIVRE dá-lhe forma. Propõe um “memorando de desenvolvimento” que, ancorado na defesa da Constituição, junte todos os progressistas para uma governação alternativa. Acredito que seja uma proposta bem-intencionada mas não vai ao essencial: uma grande aliança em defesa da Constituição é suficiente para formar um programa de governação alternativa?

 

É óbvio que não. Basta ver que todos os PEC´s, Decreto 70/2010, alterações ao código do trabalho e privatização dos sectores estratégicos e transformação dos serviços públicos nos últimos anos foram feitos no quadro constitucional que temos. E foi por um motivo simples: a Constituição não é um referencial de programa de Governo, é pelo contrário a configuração social e política dos limites até onde um programa pode ir. E se a defesa da Constituição é hoje a nossa melhor forma de resistência e de aliança de massas (e acredito que seja) ela não constitui, em si mesma, um programa de governo capaz de ganhar na sociedade.

  

4. A “estratégia” do LIVRE para unir a esquerda nas europeias 

 

No imediato temos as eleições europeias. O que é que o LIVRE tem a propor? Nada mais que isto:

 

Já no próximo ano, as eleições europeias permitem, pela sua especificidade, a organização de listas conjuntas, em candidaturas cidadãs e partidárias, no respeito da sua diversidade interna, e permitindo que os eleitos ocupem grupos parlamentares diferentes

  

A proposta é simples. Uma aliança que recusa uma convergência em torno programa. Uma aliança que apenas vale por si e que não têm nada para propor de comum. Ao ponto (e isso é o mais grave) de cada deputado depois ir para o seu grupo parlamentar na europa, como se uma lista fosse uma soma de individualidades e não uma entidade colectiva.

 

A tese é simples: juntamo-nos agora para depois cada um ir aplicar um programa diferente para a Europa. Uns aprovam tratados orçamentais, outros defendem o fim da austeridade, outros querem uma europa rendida ao federalismo.

 

É esse o problema de todo este debate. É que em torno da rejeição do tratado orçamental, do fim da austeridade ou da recusa do federalismo, não há nenhum acordo. É esse o problema simples da convergência: é que sem um programa de Esquerda pode haver muitas convergências, mas nunca haverá uma convergência de Esquerda.  Nem em Portugal, nem na Europa.

 

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publicado às 14:02

Sem programa, não há política

por João Mineiro, em 28.11.13

 

 

No fim-de-semana passado fui ver um concerto e vi à porta algumas pessoas a recolher assinaturas para o LIVRE. Lembrei-me que embora tenha tido vários impulsos e muita vontade de escrever, ainda não tinha escrito nada sobre o novo partido, que diz que vem para desbloquear a esquerda.

 

Acho que só não o fiz pelo menos por dois motivos. Primeiro porque não gosto especialmente de discussão metafísica a martelo. Isto é, custa-me bastante tecer grandes argumentos sobre a estratégia política de um partido cuja carta de princípios se centra em grandes universos de significados existenciais. Neste caso é a ecologia, a europa, o socialismo, a esquerda, a democracia, o universalismo. A avaliar pela explicação tão simplista e pouco cuidadosa de cada um, são estes como podiam ser outros. Em nenhum dos seus grandes conceitos universais vai ao essencial: qual é o seu programa e em que diferente das restantes forças já existentes nesses princípios?

 

O segundo motivo porque ainda não tinha escrito é porque me irrita centrar a discussão política em torno do feitio das pessoas, dos partidos, bem como em torno de poesia e grandes metáforas. Isto é, dizer que “uma esquerda que cada um puxa para o seu lado não vai para a frente”, ou dizer que o problema da convergência à esquerda é um problema dos feitios dos partidos de esquerda que não se querem juntar é pouco estimulante, além de demagógico e populista. É que em nenhum momento as metáforas poéticas sobre o mau feitio das esquerdas vão ao essencial: ao programa. É que se a questão da convergência é o tema central do LIVRE então já passava das parábolas e explicava o que é que propõe como programa de convergência para a esquerda.

 

Para lá da espuma dos dias, o que vai o LIVRE defender como programa de convergência? Quer manter-se no Euro a que custo? O que acha da troika e de como nos devemos livrar dela? Como se posiciona sobre o federalismo? O que acha da austeridade antes e pós memorando da troika? Deve ser aplicada de forma inteligente ou deve ser parada na sua totalidade? Acha que existe austeridade com crescimento económico? Se recusa o pacto orçamental europeu, exclui o PS de um acordo político, uma vez que o PS o aprovou? E sobre os serviços públicos, revê-se nas políticas recentes do PS de que o Decreto 70/2010 é só a face mais violenta? E o que pensa sobre a política geral do PS nos últimos anos (privatizações, código do trabalho, PECs, cortes nos apoios sociais, reforma da saúde…)? O LIVRE acha que o PECIV era a salvação do país? Para o LIVRE quais são as condições mínimas para um Governo de Esquerda? Revê-se na opção da esquerda democrática grega ou na refundação comunista em Itália? E se o PS não se revir no seu programa mínimo, até onde estão dispostos a ir? Porque acha que o PS votou contra a renegociação da dívida proposta no parlamento? E porque acha que preferiu discutir com a direita um governo de salvação nacional do que com a esquerda a demissão do governo e a construção de um programa de esquerda alternativo?

 

Decidi escrever hoje, não sobre o LIVRE, mas sobre porque é que acho que até agora o LIVRE é uma não discussão. É que até ver, para além da poesia, das metáforas, de um site bonito e do mediatismo do seu protagonista, falta o essencial:

 

Qual é o programa do LIVRE para derrotar a troika, a política de austeridade, fazer convergir a Esquerda e vencer o capitalismo?

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publicado às 16:56

Sobre a "Esquerda do Meio"

por Hugo Ferreira, em 25.11.13


"Na Grécia, que terá eleições no próximo dia 6 de maio, há uma aventura semelhante — a da Esquerda Democrática. A Esquerda Democrática é uma coligação entre duas cisões, uma vinda dos socialistas e outra da esquerda radical: é como se em Portugal a ala esquerda do PS se aliasse aos bloquistas mais abertos. Em apenas um ano, estão nas sondagens acima dos dez por cento, e já apareceram em primeiro à frente de todos os outros partidos de esquerda.", Rui Tavares, em artigo de opinião publicado no Público, em vésperas da realização das eleições legislativas de Maio de 2012 na Grécia.


Um bom cartão de visita do LIVRE - a nova organização partidária que se perspectiva para uma qualquer manhã de nevoeiro que aí virá. Para já não se lhe pode negar a inovação e originalidade. Trata-se do primeiro partido unipessoal da história da democracia portuguesa. Não tem, até agora, programa e na sua declaração de princípios escasseiam premissas ideológicas consistentes. Abundam, pelo contrário, «chavões», mais ou menos consensuais, em torno de ideias vagas sobre "Europa", "Ecologia", "Esquerda" e "Universalismo".

 

Como a transcrição bem reflecte, também aqui a Grécia é um bom exemplo: a unidade da esquerda com vista à constituição de um seu governo, como processo complexo que é, com avanços e recuos, com mistificações e clarificações, não é decretável nem atingível em resultado de actos desconexos «deste» ou «daquele» grupo de intelectuais, «deste» ou «daquele» partido ou sua fracção e onde o oportunismo, o aventureirismo e o voluntarismo caminham de mãos enlaçadas. É preciso uma base programática consensualizada - a sua urgência não deve tornar-nos menos exigentes na sua construção-, um percurso comum onde as relações políticas de confiança se possam solidificar e, sobretudo, é necessário conquistar uma maioria social e política que se mobilize em torno desse programa, que o defenda e, assim, permita a sua execução.

 

Não admira, por isso, que no debate sobre a constituição de um Governo de Esquerda, todos aqueles, como Rui Tavares, que secundariam estas tarefas, dando, em contrapartida, primazia às questões relativas à organização interna dos partidos, ao "sectarismo" - problemas cuja existência e relevância  como é evidente não nego -, etc., pouco ou nada tenham a propor além da "realização de primárias". Trata-se de uma técnica que me é muito familiar: sempre que o debate político, ideológico e programático parece desfavorável, as questões  de "organização e democracia internas" ganham toda a relevância possível. Essas questões são, de facto, muito importantes - e eu que o diga -, mas são claramente insuficientes para através delas se cravarem divergências de fundo e se constituírem novos partidos.


Escusado será dizer onde acabou a Esquerda Democrática. Deve ser mais ou menos isto que Rui Tavares deseja e espera que aconteça aqueles que denomina como sendo a "ala esquerda do PS" e a "ala moderada do BE"

 

Memória. É disso que hoje precisamos.

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publicado às 13:36

 

O Daniel Oliveira decidiu dissertar sobre o novo sujeito político de esquerda. Parte do argumentário sobre a que eleitorado se deve dirigir uma alternativa para vencer, já foi dado pelo Hugo Ferreira em baixo.  Por isso, partilho só três interrogações que o novo sujeito ainda não respondeu. Talvez o Daniel nos pudesse ajudar. São sobre o programa. 

 

É a esquerda a culpada pelo facto do Partido Socialista ser responsável pelo começo da austeridade, das privatizações, da liberalização das relações laborais e do ataque aos serviços públicos?

 

Não.

 

É a esquerda responsável pelo facto do Partido Socialista não querer romper com o memorando, renegociar a dívida e defender o Estado Social e pelo contrário fazer negociações com a direita, assinar o tratado orçamental e a regra de ouro e dizer que é possível crescimento económico e austeridade?

 

Não.

 

E o que é que um novo partido de esquerda vai fazer de diferente? Vai romper com a austeridade? Vai renegociar a dívida? Vai devolver salários e pensões? Vai implementar uma reforma do sistema fiscal que permita ter um Estado Social mais forte?

 

Se a resposta é sim, relembro que o Bloco e o PCP já têm proposto há vários meses esse programa e o PS, invariavelmente, tem rejeitado essas propostas de forma categórica. Com quem espera o novo partido fazer aliança afinal?

 

Se a resposta é não, eu percebo que para algumas pessoas seja aliciante partilhar responsabilidades de governo com o PS, mas em que parte do programa está um novo partido disponível para ceder? Austeridade, a dívida, o estado social, os impostos, ou tudo ao mesmo tempo? 

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publicado às 16:13

Virar a Esquerda ao Contrário

por Hugo Ferreira, em 14.11.13

Imagem da Gui Castro Felga

(cartaz roubado à Gui Castro Felga)

 

O problema das análises políticas do Daniel Oliveira, em especial quando fala da Esquerda, é que elas revelam sempre, umas vezes expressa outras subliminarmente, um complexo de inferioridade em relação ao PS. Não se nega que o PS continua a ser, ainda hoje, um partido federador de uma parte importante dos sectores sociais progressistas e de Esquerda, nem que, em consequência, o partido continue a ser percepcionado por esses sectores como uma referência política.

 

Mas pergunta-se: a junção, por si só, desses sectores progressistas do campo socialista com os eleitorados comunista e bloquista - convém sempre relembrar, ainda assim, que os eleitorados são variáveis e não pertença universal dos partidos - é hoje suficiente para que possa emergir uma alternativa de Esquerda que rompa com a austeridade e defenda os salários, as pensões, os desempregados, os precários, o Estado Social? Esses sectores coligados são suficientes não só para disputar o poder e, sobretudo, terão eles a força, o suporte social necessário para conseguirem forçar a ruptura com o programa e a agenda fanática e radical da Direita?

 

Nas análises do Daniel Oliveira, como nas análises das direcções político-partidárias que ideologicamente lhe são submissas, há sempre uma variável, na minha opinião a mais relevante de todas, que lhes escapa ou é subvalorizada: o exército de abstencionistas. Nenhuma mudança se fará neste país, e um pouco por toda a Europa, sem a mobilização de parte significativa desses sectores. É neles que reside hoje o grande potencial de crescimento da Esquerda, assim os consigamos politizar, saibamos merecer a sua confiança e tenhamos o engenho e o arrojo de os devolver  ao seu habitat natural: o da disputa política democrática e da governação da sociedade.

 

Mas perceber isto implica que não nos conformemos com a pretensa fatalidade de que tudo continuará como está, independentemente dos estragos que foram, são e continuarão a ser feitos pela Troika e pelo Governo. Isso implica pensar além do sistema político vigente, coisa que o Daniel Oliveira não tem feito com muita frequência. Por isso é que se limita a considerar que o futuro da Esquerda está dependente de truques e manobras operadas pela intelectualidade universitária lisboeta, pelos jovens turcos do PS e pelas lideranças partidárias mais ou menos desesperadas com a sua irrelevância política.

 

O mundo lá fora, apesar de tudo, ainda é mais vasto que a nossa mesa de jantar.

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publicado às 12:04

 

 

"(...) Em 252 deputados (230 na Assembleia da República e 22 no Parlamento Europeu) sou o único sem chefe, o único que não acha isso normal e o diz em público: gostava que os outros 251 tivessem a mesma independência e liberdade."

 

Estão lançadas as bases programáticas do novo partido de Rui Tavares: o egocentrismo, o pretensiosismo, a soberba e o populismo (queriam exemplos que ele existe também à Esquerda? Aí o têm). Nesse farol partidário, fonte inesgotável de "independência e liberdade" e onde ela se reproduz automaticamente pela simples presença do D.Sebastião-Tavares, o "chefe" será escolhido em primárias. É mais um novo partido que se forma para unir a Esquerda dividida e que concorrerá já às Europeias. Desejo-lhe toda a sorte do mundo: o país já tem muitos desempregados.

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publicado às 10:09

332 pessoas deixam Portugal todos os dias.

por Rodrigo Rivera, em 31.10.13

 

A juventude de hoje vê-se obrigada a escolher entre o desemprego, a precariedade, e o exílio laboral. Isto é a consequência da gestão pública da crise da dívida pelos governos da Troika, do seu Memorando. É um ataque brutal feito contra os cidadãos e a democracia, e uma das consequências mais dramáticas é o esvaziamento do país daqueles que ainda podem emigrar. Pais que vêem os filhos partir, irmãos que vêem irmãs partir, avós que vêem o tempo a voltar para trás sem força, sem unidade que resista à escuridão dos tempos da Troika.


O pior desta notícia do Público é que estes números estão completamente errados. Como devem imaginar, a maior parte dos jovens não avisa de nenhuma forma o Estado português que vai emigrar. Simplesmente vai. Foi o que eu fiz, é o que muitos vão fazer hoje, amanhã e depois de amanhã. Segundo as contas da notícia, 332 pessoas deixam o país a cada dia que passa, para não voltar.

O combate à debandada geral, ao exílio laboral a que centenas de milhares de pessoas, principalmente jovens licenciados, estão obrigados, é uma emergência nacional. Há aqui alguém que ainda não tenha conhecidos que partiram recentemente em busca de uma vida digna?

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publicado às 23:27

Economia política em tempos de depressão

por Samuel Cardoso, em 20.10.13

Atravessamos tempos negros. Ao defendermos salários mais dignos, pensões dignas, serviços públicos, há quem faça parecer que estamos a pedir um mundo e o outro. Para nós, parecem-nos coisas elementares para uma sociedade minimamente aceitável. E é pena não sermos suficientes para tornar essas reivindicações realidade (é importante pensarmos como podemos alargar mais o combate a esta política. Mas com a cabeça fria para não cairmos em análises simplistas, para não irmos na análise errónea de “quanto pior, melhor” para a aceitação da oposição, da qual se deduz com grande probabilidade que com uma alteração ou duas da maneira de expor as coisas, e mudando eventualmente uma ou duas caras, se resolvia tudo. Era mais simples, não penso que seja assim a maneira como as coisas são).

Estas coisas básicas que defendemos não são exclusivas de “famílias” socialistas, comunistas ou sociais-democratas. Qualquer verdadeiro democrata cristão devia escandalizar-se quando o pagamento de dívida contraída junto de investidores (que sabem que é um instrumento de especulação) se sobrepõe ao pagamento de salários ou pensões. Todos os verdadeiros democratas cristãos que se queiram juntar ao combate deste governo serão bem-vindos. Talvez conhecendo mais de perto as nossas opiniões sobre assuntos como os direitos LGBT até se aproximem das nossas ideias. Talvez não; mas mesmo que assim seja não podemos abdicar do não-sectarismo como princípio inerente da nossa actuação. Porque mudar de mundo não é só fazer um mundo que vá mais de acordo ao que pensamos. Fazer com que outros com opiniões distintas possam usufruir também desse mundo deve fazer parte desta ideia de construção comum. Por muito que não gostemos de muitas das coisas que essas pessoas pensam.

Mas a ideia de que é necessário construir pontes com toda a gente que esteja dispostas a unir-se à defesa do “básico” não pode de todo colocar em causa que nós não queremos apenas o “básico”. Um exemplo: se por um lado faz sentido juntarmo-nos ao coro de críticos que defendem a subida dos salários por razões tanto sociais como económicas (salários mais altos estimulam a procura interna, criando um efeito positivo na economia; mesmo que nos modelos neo-liberais seja indiferente a quem está distribuído o dinheiro e as “distorções” sejam o que mina tudo. Observar a realidade costuma ser a melhor opção), queremos apenas os e as trabalhadoras a viver um bocadinho melhor?

Ou queremos que os e as trabalhadoras possam realmente decidir como querem organizar a produção e que recolham todos os frutos do seu trabalho? Que as pessoas possam ter a escolha real de trabalhar metade do tempo, ou ainda menos, do que trabalham hoje, para terem mais tempo para passear, namorar, fazer o que lhes apetecer?

Eu acho que queremos muito mais que salários mais altos e algumas garantias de estabilidade. E abdicar de sonhar é capitular.

Nestes tempos negros, penso sinceramente que podíamos pensar mais colectivamente como podemos tornar o sonho realidade. Discutindo as questões difíceis de como passaremos de uma sociedade baseada na posse privadas dos meios de produção para uma sociedade em que estes são geridos e usados colectivamente (pensando num exemplo muito básico e de não muito difícil resolução – a meu ver -, como resolvemos o problema de uma cooperativa ter acesso a um terreno muito fértil e outra ter um muito mau?).

A razão principal para pensarmos colectivamente estas questões não é a iminência de uma mudança brutal, é a necessidade de não esquecermos realmente o que queremos. Nestes tempos de miséria, não nos podemos deixar embrutecer.

(o título é enganador. Não me lembrei de outro melhor e ficou este)

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publicado às 21:29

Vemo-nos em Alcântara amanhã, ou não?

por danidapenha, em 19.10.13

Estou agora a chegar a casa e o céu, iluminado por uma trovoada digna de filme de terror, ameaça borrasca da grossa. Diria que vem aí chuva e QUASE tão violenta e grossa como as críticas que têm caído sobre a CGTP desde o anúncio de mudança do percurso da marcha de amanhã.

E se chuva em Outubro não me espanta, o mesmo não posso dizer do segundo facto aqui referido. Como ponto de partida, acho que podemos todos concordar que este anúncio acabou por ter um efeito fabuloso e muito prometedor para a esquerda portuguesa que se assume anti-capitalista e verdadeira alternativa. Senão, repare-se: não faz uma semana, e Portugal era um país com um povo simpático, bonacheirão até, que pouco vota, e se o faz é maioritariamente à direita, não faz greves, não vai a manifs, nem refila no trabalho, porque isto da política só está bom é para "eles" e a nós só nos dá chatices. Dá-se o anúncio na Terça-Feira e a epifania acontece. Afinal, nada disto era verdade. Afinal, Portugal é constituido por uma horda de revolucionários prontos e só à espera do sinal da CGTP para avançarem pela ponte, tomarem São Bento e só pararem no Palácio de Inverno.

Compreendo a desilusão de muitos, até porque eu próprio a senti. Apesar de muito vacilante, achei que marchar pela Ponte 25 de Abril era possível. Mas, a verdade é que a decisão foi outra. E por mais que se discorde, considero que criticar até à exaustão a alteração, procurando mesmo esvaziar de conteúdo o protesto de amanhã é um claro sintoma do mal que dificilmente largará muita esquerda portuguesa. A decisão é mais do que legítima e facilmente justificável por quem a tomou.

 

Não estamos a falar de movimentos inorgânicos, lançados por meia dúzia e acompanhados por dezenas ou por centenas de milhares de pessoas consoante o tempo de antena que as televisões e as redes sociais lhes dão. Não estamos a falar de movimentos criados na semana passada, cuja capacidade de mobilização é quase exclusiva entre jovens adultos de formação superior. Estamos a falar de uma central sindical que representa mais de 700.000 trabalhadores. Estamos a falar de um movimento que mobiliza dezenas de milhares de pessoas de cada vez que sai à rua. Mulheres e homens com graus de comprometimento muito variáveis, de todas as idades, de todas as profissões e que estão longe de imaginar que, ao sair para uma manifestação, vão acabar varridas a cassetete por polícias raivosos.

Ora, por mais urgente que seja um verdadeiro abalo, uma verdadeira revolução perante a situação que assola o país, enviar toda esta gente para a linha da frente do conflito e ver no que dá, seria uma irresponsabilidade da qual não me orgulharia. E sejamos claros, o cenário estava montado para o pior. E mesmo não acontecendo o pior, o menor dos incidentes teria repercussões imensas sobre quem estava a organizar o protesto.

E posto isto, sei bem onde vou estar amanhã. Passarei a Ponte e lá estarei em Âlcantara, pelas 15h. E depois no Domingo e na Segunda e por aí adiante, no bairro, na freguesia, na empresa, na rua. E depois dia 26, no Rossio. E depois onde for preciso estar...

 

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publicado às 00:16

André Freire escreve hoje no Público, dia 16 de Outubro, que se junta a Rui Tavares para defender uma nova aliança em torno da democracia, do estado social e do quadro constitucional. Um acordo que exclua os partidos que estão no governo e no qual o PS esteja incluído. A proposta mais concreta é defendida por André Freire que propõe a base de um “arco constitucional e democrático” capaz de superar o “arco da governabilidade” que tem condicionado quase sempre o PS para a sua direita.

 

Parece genuína a proposta de André Freire propor novas alianças sociais e políticas que não incluam os atuais partidos do governo e que coloquem a defesa do estado social e da constituição no centro da sua agenda. Mas chegará esse centro estratégico como base de uma alternativa política?

 

André Freire dá a resposta na segunda ordem de razões justificativas deste “arco constitucional e democrático”. É que para o próprio esta ideia teria a capacidade de “mostrar à exaustão que, mesmo com políticas de austeridade, seria possível atuar de forma diferente, de forma mais equitativa”. É uma frase isolada, é certo, mas que levanta as grandes interrogações e problemas da proposta.

 

É que a verdade é que não é possível defender o estado social e a democracia no quadro da austeridade. A luta pelo estado social é absolutamente indissociável da luta contra austeridade como modus operandi da governação económica. A luta pela democracia e os serviços públicos é indissociável da luta contra a dívida e contra troika. É por isso que a austeridade começou (ainda com os PEC´s, não nos esqueçamos…) no quadro constitucional que temos.

 

E a conclusão é simples: se a destruição do estado social e do quadro constitucional que temos se faz tendo como pressuposto o pagamento da dívida a taxas de juro absurdas e a pretexto do aplicação das metas do memorando da troika, então só a luta contra a troika e o consenso contra a dívida podem ser as bases para a defesa do estado social e da democracia.

 

Concluiu André Freire que “o PS precisa de uma nova política de alianças para defender a democracia”. O PS dirá das suas escolhas. Mas sempre que insiste no compromisso do memorando, no compromisso com a regra de ouro, no compromisso com a austeridade inteligente e equitativa e com o honrar dos compromissos de pagamento que temos, posiciona-se a anos-luz de conseguir defender a democracia e o quadro constitucional.

E essa é uma escolha do PS. Que não é condicionada nem pela sua direita, nem pela sua esquerda. É uma escolha sua, de um programa que subscreve e de uma proposta política que faz para o país.

 

Dessa escolha poderão resultar alianças, certamente. Mas nunca uma aliança para um Governo de Esquerda.

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publicado às 00:47




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