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Sou da opinião que nestes tempos de barbárie, a esquerda que quer ser esquerda não deve ambicionar menos do que vencer. Juntar milhares de pessoas em torno de ideias, de um programa e de um movimento popular permanente que sustente uma mudança estrutural na relação de forças em Portugal e na Europa. E para isso a disponibilidade para discussões em torno do que une e do que agrega e em torno de uma unidade que sustente uma verdadeira alternativa política é indispensável.
Há neste aspecto uma proposta do Bloco e do PCP de construção das bases para um Governo de Esquerda que tire Portugal da tirania financeira. Há um PS que pelo que defende e tem aplicado não conta nesta equação. Há uma proposta vaga e populista do LIVRE para unir a esquerda sem um programa de esquerda. E há agora o Manifesto 3D.
Não acho que o Manifesto 3D se possa resumir aos seus proponentes. Ele é o espelho de um sentimento que vai ganhando peso na sociedade portuguesa para mudar este estado de coisas. E gosto de muitas das pessoas que propõe o movimento e de muitas das quais o subscreveram. Muitas dessas pessoas sei que são pessoas honestas, com bons princípios e verdadeiramente empenhadas numa mudança de Portugal e da Europa à Esquerda.
Não acho pois que devam de nenhum modo ser hostilizadas. Até porque propõe o mais razoável: uma unidade na que consiga “recusar a submissão passiva de Portugal a uma União Europeia transformada em troika permanente”.
E se acho que a política se faz em torno do programa este manifesto propõe uma linha política clara no seu texto:
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Nove pontos razoáveis. Mas que por princípio tipificam essencialmente aquilo em que estamos contra. Estamos contra esta União Europeia, a austeridade, o memorando e os resgates (com este ou outro nome), a usurpação do sistema democrático pelo sistema financeiro, as desigualdades e injustiças sociais e económicas e a defesa do Estado Social. É por estarmos contra isso que defendemos o oposto: devolver dignidade ao trabalho, afirmar o carácter público dos sectores estratégicos, erradicar a pobreza, proceder a uma renegociação da dívida.
Mas para juntar e para vencer nestas europeias sabemos que não chega. Há pelo menos quatro pontos fundamentais que o movimento 3D e quem nas suas ideias se sente representado deve responder. Dessas respostas depende a sua vitória. E provavelmente a mudança da relação de forças em Portugal.
Se estivermos de acordo nisto, então acho que temos caminho para fazer em conjunto. Na verdade, construir uma maioria ganhadora em torno deste programa seria provavelmente a mudança mais decisiva na luta dos povos e na luta de classes das últimas décadas.
Não devemos fechar as portas a essa oportunidade.
A crise que atravessamos é a pior crise da nossa história recente e a que tem tido uma resposta mais autoritária e ultraliberal. A destruição das conquistas históricas do movimento popular, dos trabalhadores e do povo coloca-nos dois problemas fundamentais: o de como resistimos e bloqueamos o ataque; e o de como atacamos, e preparamos uma alternativa para disputar a maioria, tomar e transformar o poder.
É sobre essa duas dimensões – a da resistência e a da alternativa – que importa ir ao combate. Se, como toda a esquerda reconhece, este é o maior ataque às conquistas populares de que temos memória deste o 25 de Abril, qual será a nossa missão histórica? Deixar a burguesia aprofundar o processo de exploração até não haver mais quem consuma os seus produtos, o sistema entre em colapso e o povo realmente perceba as virtudes do socialismo, do poder popular e da democracia directa? Ou devemos construir a resistência mais ampla de sempre à destruição dos serviços públicos, da constituição e dos direitos sociais que, no imediato, permitem bloquear o ataque da direita e fazer cair parte do seu programa ideológico?
É nesse prisma que nos devemos colocar. No prisma de quem sabe que resistir agora para não deixar que os trabalhadores e o povo percam os direitos que conquistaram é o melhor caminho para mudar a relação de forças e contra-atacar. Isso implica juntar na resistência quem terá muitas divergências sobre o projecto político futuro. É a vida. Nenhuma revolução ou processo de luta de massas se fez sem pessoas com ideias muito diferentes de como organizar a sociedade, a política e a economia a seguir à destruição das antigas formas de poder.
Coloco isto desta forma, meramente para dizer o seguinte: o que se passou na Aula Magna na passada quinta-feira não foi uma evidente demonstração da rendição da “esquerda institucional” à social-democracia decadente, como têm anunciado algumas pessoas nos mais diversos quintais. Bem pelo contrário. Se há forma mais dialéctica de preparar condições para a disputa de massas, é perceber em cada momento que relações de força pode ajudar a trazer mais gente para os combates fundamentais que agregam.
O que vi na Aula Magna não foi a “esquerda institucional” rendida. Foram centenas de pessoas do mais diversos espaços de activismo e militância a afirmar que a defesa da Constituição, do Estado Social e da Democracia não são para amanhã, são para agora. Porque eles ainda são o que hoje nos permite resistir à brutal ofensiva do capital sobre o trabalho que vivemos tão nitidamente.
E mesmo que na sala houvesse muitos oportunistas, muita gente que começou a destruição do Estado Social que agora diz querer defender, há uma coisa que percebemos: o incómodo dos fiéis da austeridade e do paco orçamental com aquele encontro é justificado e é muito significativo. É que alargar o campo da resistência sem sectarismos em torno da defesa do essencial é a melhor arma para juntar mais gente à luta pelo que é imprescindível: uma sociedade alternativa, uma economia gerida colectivamente, o fim da exploração e do capitalismo.
Quem está disponível para esses combates, não está disponível para ficar a falar sozinho.
O Daniel Oliveira decidiu dissertar sobre o novo sujeito político de esquerda. Parte do argumentário sobre a que eleitorado se deve dirigir uma alternativa para vencer, já foi dado pelo Hugo Ferreira em baixo. Por isso, partilho só três interrogações que o novo sujeito ainda não respondeu. Talvez o Daniel nos pudesse ajudar. São sobre o programa.
É a esquerda a culpada pelo facto do Partido Socialista ser responsável pelo começo da austeridade, das privatizações, da liberalização das relações laborais e do ataque aos serviços públicos?
Não.
É a esquerda responsável pelo facto do Partido Socialista não querer romper com o memorando, renegociar a dívida e defender o Estado Social e pelo contrário fazer negociações com a direita, assinar o tratado orçamental e a regra de ouro e dizer que é possível crescimento económico e austeridade?
Não.
E o que é que um novo partido de esquerda vai fazer de diferente? Vai romper com a austeridade? Vai renegociar a dívida? Vai devolver salários e pensões? Vai implementar uma reforma do sistema fiscal que permita ter um Estado Social mais forte?
Se a resposta é sim, relembro que o Bloco e o PCP já têm proposto há vários meses esse programa e o PS, invariavelmente, tem rejeitado essas propostas de forma categórica. Com quem espera o novo partido fazer aliança afinal?
Se a resposta é não, eu percebo que para algumas pessoas seja aliciante partilhar responsabilidades de governo com o PS, mas em que parte do programa está um novo partido disponível para ceder? Austeridade, a dívida, o estado social, os impostos, ou tudo ao mesmo tempo?