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Algum tempo atrás foi aqui lançado um manifesto para desunir a esquerda. Manifesto provocador, é verdade, mas no qual me revi pois apontava para uma questão chave: na urgência de enfrentar o governo e a troika, não podemos esperar que a afirmação de alternativas à esquerda seja conseguida fazendo tábua-rasa da diversidade de reivindicações e de identidades da dita cuja (usando os termos então adoptados). No aplanar dessas diferenças está a nossa fraqueza, não a nossa força. A união, enquanto “concórdia de vontades” tão heterogéneas, e num contexto tão complexo como o actual, dificilmente se consegue em menos de meia dúzia de meses. Basta pensar na experiência do “Começar de Novo”, que esteve na base da criação do Bloco de Esquerda (e cuja a morte foi já declarada milhentas vezes) e nas dificuldades de um percurso colectivo de cerca de 15 anos, para perceber o complicadito que isto tudo é. É que às vezes tanta unidade até cansa!
Subjacente a este debate da união das esquerdas há um conjunto de contradições que atravessa a política partidária (e imagino eu, que não sejam exclusivas do Bloco) e os movimentos sociais. São algumas dessas contradições que gostaria de apontar pois me parecem cruciais para entender os limites e as possibilidades de construção de alternativas à esquerda. Distingo sete contradições: o individual e o colectivo; a política e a emancipação; a política e o social; o nacional e o internacional; o crescimento e a ecologia; o trabalho e a vida; a resistência e a transformação. Abordarei as três primeiras agora e as restantes num próximo post.
O individual e o colectivo
Há muito que a acção colectiva não andava tão na moda. Os protestos dos últimos anos trouxeram um novo alento num mundo onde o invidualismo impõe o isolamento. No entanto, e curiosamente, com ela afirmou-se também a desconfiança em relação às organizações, em particular as tradicionais, nomeadamente partidos e sindicatos (mas não só). Desde as acampadas até aos congressos das alternativas (e ninguém dirá que se trata de uma mesma cultura política), viu-se a afirmação fabulosa de que “aqui não há organizações, só pessoas, individualmente”. Alguém acredita nisso? Alguém acredita que a capacidade de participação e o peso político de cada pessoa está imaculado das relações sociais em que se insere? Não nos iludamos: no contexto da disputa política, actores fracos dependem muito mais da sua capacidade organizativa para fazer valer os seus interesses e têm muitas mais difuldades de acesso a recursos cruciais para os resultados dessas disputas, como é o caso dos meios de informação e media.
A política e a emancipação
Esta contradição tem-se cruzado com um tema crítico no debate marxista, que pode ser resumido na velha máxima: o desenvolvimento de cada um[a] é a condição para o livre desenvolvimento de todos [ou de todas as pessoas, digo eu]. Se as correntes comunistas têm colocado a tónica da condição de emancipação no colectivo, as social-democratas colocaram no individual. As contradições abarcam desde as concepções totalitárias do Estado nas experiências de socialismo real até à capitulação da social-democracia numa espécie de “social-liberalismo”. Por outro lado, resumir a ideia emancipação à igualdade formal e à institucionalização de direitos pode ter sido eficaz na época dourada do capitalismo mas coloca hoje a esquerda na defensiva face ao resgate das estruturas institucionais pela chantagem do défice. Isso significa que devemos deitar fora o potencial progressista do processo de institucionalização de direitos verificada no pós-guerra? Claro que não. Mas não substimemos o impacto cultural que teve o neoliberalismo. É nesta linha que as recentes mobilizações têm um potencial assinalável – o ressurgimento da onda libertária é indicador disso mesmo.
A política e o social
“O que interessa é a política, não podemos andar por aí a fazer caridade.” Confesso que cansei-me dessa. Reformulo a questão levantada anteriormente: alguém acredita que a capacidade de participação e o peso político de cada pessoa está desligada das suas condições materiais e culturais de participação? A questão não se coloca apenas em termos de princípios democráticos, mas também em termos de resultados: alguém acredita que uma força alternativa que não envolva os sectores mais afectados pela austeridade tenha realmente a capacidade de mudar as relações de poder dominantes e ter um papel realmente transformador? A incapacidade de reconhecer, à esquerda, a importância deste problema é uma das razões pelas quais a extrema direita e os movimentos de cariz conservador (por exemplo, a igreja católica ou até mesmo as IURD's e afins) e populista têm encontrado espaço aberto para disputar o apoio de sectores populares. Não basta condenar a ascensão dos neofascismos. Antes disso é necessário responder ao caldo social e político que os alimenta. E entenda-se: voluntarismo humanista por si só, sem trabalho de conciência crítica emancipatória, não é solidariedade, é paternalismo caridoso; política sem atender à dimensão humana dos tempos que se vive é abstração pura e facilmente se enrederá no tacticismo.
(continua)
"A esquerda socialista bate-se por reformas em marco capitalista? Claro que sim. Acaso um sistema fiscal progressivo é, em si mesmo, «anticapitalista»? Acaso uma política industrial que crie emprego é, em si mesma, «anticapitalista»? Ou a defesa do Estado-providência? Entendamo-nos: o capitalismo desenvolvido foi capaz de viver com estes compromissos e em vários países emergentes, nomeadamente na América Latina, é isto que hoje se faz: crescimento com redistribuição social. Dito isto, fiscalidade progressiva, emprego e formação, requalificação industrial com respeito pelo ambiente, politicas sociais eficazes e sob controlo público, fazem parte de qualquer projecto de transição socialista. Todo o socialismo que se ganhar em marco capitalista é «nosso», ou seja, anuncia ele próprio o socialismo que há-de vir. Por outro lado, não sendo, em si mesmas, «anticapitalistas», as linhas e estratégias enunciadas insurgem-se contra a lógica actual do capitalismo globalizado, assente na liberdade ilimitada de circulação dos capitais e na diminuição do peso do Estado nas sociedades contemporâneas. É por isso mesmo que a luta pelas reformas sociais e económicas, que se poderiam situar, sem dificuldade, na melhor tradição da social-democracia europeia, exige hoje governos de forte inspiração popular."
Mesmo para quem pensa que a social-democracia é o objectivo a alcançar (por princípio ou excepcionalmente, devido à gravidade e profundidade da situação presente): esperar que sejam os Partidos Socialistas europeus (eventualmente com uma ajuda para "encarrilharem"), submersos na lógica neoliberal de encarar a vida em comunidade, a levar a cabo uma mudança, séria, de políticas parece ser um bom caminho para uma desilução completa e para a cedência a um sentimento de fatalidade.
Quem é o autor do texto? Miguel Portas.
Citação tirada daqui: http://unipop.info/http/www.unipop.info/images/01_impropria_inq_esquerdas.pdf
O Partido Socialista de Manuel Pizarro entendeu-se com Rui Moreira da aliança CDS-P/Rui Rio. Assinaram um acordo de governação da câmara que garante maioria absoluta ao novo executivo.
É um acordo perigoso. Mas enfim, para muitas pessoas assumir funções de vereação executiva em câmaras municipais governadas por outro partido, com outro programa e com uma visão diferente da política e da cidade não é considerado uma “coligação”. É uma espécie de “partilha democrática de responsabilidades”. Viabilizam todos os orçamentos, claro. Mas isso é uma questão de pormenor… Sem saber muito bem que programa vão cumprir, multiplicam-se acordos pós-eleitorais bem sinistros, veja-se o caso do PS de Basílio Horta, com o PSD e a CDU na governação de Sintra.
Incoerências à parte, o acordo do Porto é verdadeiramente sintomático. Augusto Santos Silva e Francisco Assis já o vieram defender a público. O que poderão estes dirigentes querer mais que um PS em acordos com a direita para a governação local? Mais do que isso, só se fosse um governo de salvação nacional com a direita, patrocinado por sua luminosa excelência o professor Cavaco Silva…
Mas é uma pena que o PS se renda a um facilitismo tão básico e alinhe em todos os acordos que os permitam estar no poder, mesmo que contra o seu programa e o que resta dos seus princípios. Não é todo o PS, nem são muito menos todos os eleitores do PS. Ainda há pessoas no PS e que votam PS que acham que um acordo de governação com a direita trai tudo o que resta de princípios de esquerda que o PS anda diz ter.
Mas afinal de contas, até quando essas pessoas vão continuar a ser cúmplices deste desastre?
Em 2009, em pleno clímax da crise (capitalista) financeira europeia e mundial, o PS e José Sócrates justificaram o seu apoio à reeleição de Durão Barroso como presidente da Comissão Europeia por motivos "patrióticos". Além do prestígio, Portugal teria tudo a ganhar com um presidente português da Comissão Europeia, conhecedor das dificuldades do país e que, se fosse o caso, agiria de pronto para defender os "nossos" interesses. Apesar de hoje, 4 anos volvidos, toda esta retórica nos parecer perfeita se pensada para um guião de um filme humorístico-trágico, a verdade é que era mesmo isto que se dizia.
A destruição do país operada desde 2011 através do Memorando da Troika - período durante o qual a Comissão Barroso se mostrou a mais inflexível, fanática e agressiva das três entidades constitutivas da Troika - já seria, por si só, elucidativa do "patriotismo" e da "preocupação com os interesses nacionais" de Durão Barroso. A notícia de hoje - em que a Comissão Barroso pressiona e chantageia o Tribunal Constitucional -, por nada acrescentar ao discurso colonial e anti-democrático das instituições europeias, serve, sobretudo, para guardar no arquivo e nos auxiliar a memória quando, daqui a uns anos, o mesmo Barroso voltar "à sua Pátria" para disputar a eleição de Presidente da República - função que, em caso de vitória, o obrigará a jurar "cumprir e fazer cumprir a Constituição da República Portuguesa".
Lembrem-se deste post quando essa disputa surgir.
E mais ainda: lembrem-se dele também quando alguém, sobretudo, do PS vos disser que foi a Esquerda (PCP, PEV e BE), votando contra o PEC IV (a versão light do Memorando), quem colocou a "direita no poder". Podia até dizer-se que o apoio do PS à reeleição de Durão Barroso fora um "erro histórico" específico dos socialistas portugueses, não fosse a circunstância de o próprio Partido Socialista Europeu nem se ter dado ao trabalho de apresentar uma candidatura alternativa à do Partido Popular Europeu de Barroso.
A social democracia europeia julgou que a queda do "Muro de Berlim" deixaria apenas o movimento comunista internacional em ruínas e não percebeu que, sem ele - sem a relação de forças política, social, económica e militar que ele representava - , ela própria se tornaria, a curto prazo, acessória e, a médio prazo, insignificante para o sistema capitalista. O Muro tinha mesmo de cair e nós, militantes da esquerda revolucionária, reconhecendo-o com humildade, logo nos dedicamos à tarefa exaltante de construir os alicerces de um novo mundo sem muros. Do lado social-democrata o "muro" vai desabando lentamente... Enquanto isso, os seus militantes vão saltando "para o outro lado".