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Cheguei a Lisboa em setembro de 2010 para estudar numa universidade. Chegar a Lisboa foi chegar à universidade, à academia e ao meu trabalho mas também à vida noturna do Bairro Alto ou do Cais do Sodré, ao CCB, aos teatros na baixa e na Praça de Espanha, à Gulbenkian, aos miradouros das colinas, à noite de alfama, do intendente e da mouraria, aos jardins do Campo Grande ou do Parque Eduardo VII, aos restaurantes clandestinos, à feira da ladra, à zona ribeirinha, às praças que se ocuparam e às ruas por onde nos manifestámos nestes quatro anos. Mas para viver esta cidade na sua plenitude com autonomia são precisos transportes públicos. O direito à cidade é indissociável do direito à mobilidade enquanto possibilidade de nos movimentarmos na cidade independentemente do dinheiro que temos no bolso. Para trabalhar, como para viver, precisamos de nos transportar autónoma e livremente pela cidade.
Muito mudou a esse respeito desde 2010. Há quatro anos pagava 9,8 euros de passe, agora pago 35 euros. O número de carreiras diminuiu, passámos a ser sardinhas enlatadas no metro, especialmente na linha verde. Os tempos de espera e os preços aumentaram. E as pessoas que todos os dias têm de se movimentar começaram a ter dificuldades em pagar os transportes.
Foi com esse desmantelamento dos transportes públicos que me deparei na semana passada. Na quarta e quinta-feira assisti a duas situações nos transportes de Lisboa que me causaram náuseas e muita raiva. Ambas ocorreram no mesmo contexto: autocarro da Carris; entram três homens vestidos de azul claro; posicionam-se estrategicamente no autocarro para que dele ninguém possa sair; começam a pedir os passes e bilhetes a todos os passageiros.
No primeiro autocarro em que isto aconteceu eram 19h30 da tarde. Nele um reformado com alguma idade que ia no primeiro banco a conversar com o motorista é abordado diretamente pela entrada do primeiro fiscal. O senhor olhou-o espantado e disse que não tinha bilhete, que era uma viagem pequena, já não tinha família para o ajudar e a reforma não dava. O fiscal teve apenas uma reação: “faça favor se levantar, porque vai sair nesta próxima paragem comigo”. O homem olhou para o motorista, baixou a cabeça, agarrou no saco verde das compras e dirigiu-se para a porta de trás. Iria ser obrigado a pagar uma multa que pode ir de 180 a 270 euros. Será a reforma do homem suficiente para pagar a multa? Terá ele dinheiro para pagar a próxima viagem que o levará a casa?
Mas foi com estranheza que quando chego à paragem de autocarro às 8h30 do dia seguinte para esperar o 747, dou de caras novamente com três pessoas vestidas de azul claro e óculos escuros. Ia haver nova fiscalização. Entrámos juntos quando o autocarro chegou. Nele uma senhora com quem costumo partilhar o autocarro àquela hora colocou o passe na máquina de fiscalização mas nesta não apareceu a luz verde. Disse ao fiscal que não sabia porquê mas que não tinha dinheiro para pagar a multa na hora e perguntou se lhe podiam mandar a multa para casa, dando o BI com a morada. O fiscal teve a mesma reação: “pode levantar-se por favor, vai ter de sair comigo na próxima paragem”. A senhora pediu e insistiu para não sair, porque entrava às 9h no trabalho e se chegasse atrasada seria penalizada. O fiscal não acedeu: “já lhe disse, sai comigo na próxima paragem, regras são regras”. A senhora olhou as companheiras, baixou a cabeça e saiu na paragem seguinte.
No início deste ano já tínhamos sido surpreendidos com uma campanha pidesca em que a administração da Carris e do Metro propunha que os utentes se vigiassem uns aos outros. Os sinistros olhos a observar-nos que encontrávamos em todas as estações e carruagens desapareceram nas últimas semanas. Mas não desapareceu o seu objetivo: como as pessoas não se denunciaram umas às outras, foi preciso reforçar as equipas de vigilância e punição na hora. Equipas de fiscais implacáveis sempre que veem um delator cuja reforma não chega para pagar o bilhete ou a coima. Inabaláveis perante uma mulher que não tem dinheiro na hora e vai ser penalizada por se atrasar no trabalho.
Nos seus estudos sobre o poder disciplinar, a vigilância e o nascimento das prisões, Michel Foucault dizia que “somos menos gregos do que pensamos. Não estamos nem nas arquibancadas, nem no palco, mas na máquina panóptica, investidos por seus efeitos de poder que nós mesmo renovamos, pois somos suas engrenagens”. As sociedades ocidentais estão confinadas a um processo de vigilância e punição permanente. Loui Wacquant, por seu turno, mostra-nos como a intensificação do neoliberalismo se construiu através da emergência de um Estado-Penal com o objetivo de vigiar, punir, controlar e reproduzir a pobreza que ele próprio cria e da qual se alimenta.
São esses dois fenómenos que representam os senhores das camisolas azuis claras que interrompem os nossos autocarros. Eles representam, como indica Foucault, um discurso claro de que nos devemos sentir vigiados em qualquer momento. Mas como também indica Wacquant, eles mostram-nos como a instauração de um regime de vigilância e regulamentação permanente, ocorre ao mesmo tempo que se intensifica a destruição do Estado-Social e se alimenta uma lógica de punição sobre os mais pobres.
É contra essa sociedade de vigias e de dispositivos de punição da pobreza que se tem que levantar uma intervenção democrática. Heitor de Sousa, economista de transportes e dirigente do Bloco de Esquerda, foi diretamente a essa discussão no passado dia 11 de julho no Público: dizia, com muita clareza, que na gestão dos transportes em Lisboa é preciso clarificar se queremos os transportes submetidos às regras da democracia ou às regras do mercado.
As pessoas estão com mais dificuldades e cada vez mais pobres com as medidas de austeridade. Mas como se isso não bastasse, estão ainda a ser punidas por não terem dinheiro para pagar os transportes de que precisam para viver.
É mesmo esta a sociedade que queremos?
O que está a acontecer com a avaliação das unidades de investigação em Portugal é absolutamente preocupante. O governo já mostrou com muita clareza que o financiamento a investigadores em doutoramento é para ser aniquilado. E Pires de Lima já mostrou também qual é a orientação: condicionar o financiamento a investigadores e projetos que tenham ligação ao mercado e que dele possam obter recursos. A somar a isto chega agora o processo de avaliação das unidades de investigações. Este processo que continua em curso é um misto de incompetência, negligência e cegueira ideológica. As unidades multiplicam as queixas sobre erros técnicos que facilmente seriam resolvidos caso as equipas de avaliação tivessem realmente especialistas das várias áreas e se estivessem preocupadas em enquadrar e discutir com os avaliados no processo de avaliação.
Mas o caso mais flagrante de cegueira é o do Centro de Investigação e Estudos de Sociologia do ISCTE-IUL (CIES). Falo de perto porque é um centro de investigação da instituição onde tenho passado os meus últimos quatro anos de formação e onde aprendi muito do que sei sobre as transformações da sociedade portuguesa. Os avaliadores foram incompetentes ao confundirem o CIES (Centro de Investigação) com o ISCTE-IUL (Instituição de Ensino onde ele está sediado) e ao assumirem que o ISCTE-IUL faz parte da UL, fazendo com isso uma comparação entre o CIES e o ICS da UL. Mas o absurdo vai mais longe quando os avaliadores, no auge da sua arrogância, dizem ao CIES que as problemáticas das desigualdades sociais e das migrações “estão esgotadas em termos de publicações” e que o CIES tem de procurar “linhas de investigação mais inovadoras”. Como é que é possível que se faça uma avaliação baseada em preconceitos tão claros, quando as desigualdades, nas suas várias formas, se têm agravado em Portugal e na Europa e quando a emigração é um dos assuntos mais relevantes na sociedade portuguesa nos nossos dias?
O CIES lá foi penalizado por não ceder aos interesses imediatos das agendas ideológicas para a investigação. Já protestou e espero que ganhe o braço de ferro com a FCT. Mas este processo deixa marcas. O governo quer mesmo desmantelar o sistema científico nacional que tantos anos demorou a sedimentar. E fá-lo por razões ideológicas: é preciso calar quem investiga o poder; é preciso financiar quem investiga para o reforçar.
Ontem multiplicaram-se notícias sobre a grande solução europeia para o desemprego jovem: a Aliança para a Juventude. É certo que a Europa é um continente dizimado pela austeridade e pela chantagem da dívida que fizeram regredir a economia, as funções sociais do Estado e que conduziram a um alastramento da pobreza e do desemprego. Mas para a Europa tudo estava bem com essa estratégia até que Durão Barroso quis sair com alguma dignidade da podridão em que deixou a Europa e já de saída nomeou o desemprego jovem como o grande problema europeu.
A Comissão Europeia, firmemente consciente deste problema civilizacional e depois de se munir de poderosos instrumentos técnicos, encontrou a solução para o problema: criar estágios temporários em grandes multinacionais. Um jovem candidata-se a um conjunto de estágios que vão abrir, na prodigiosa esperança de poder ficar na empresa. Não importa que as economias sejam dizimadas e que a classe média encolha a olhos vistos. Não importa que o emprego qualificado não exista. Para estes senhores, desde que se tenha um estágio, e depois outro, e depois outro, e depois ainda outro, mais cedo ou tarde, deixaremos de ser descartáveis e poderemos ter uma vida digna.
Esta “Aliança para a Juventude” é uma boa solução para a cabeça de génios europeus como o Bruno Maçães, que cá em Portugal voou das aulas do João Carlos Espada na Católica para Secretário de Estado dos Assuntos Europeus. Em Portugal, ao que se sabe, o programa pretende até 2017 criar 8 mil estágios através da Nestlé. É um número curioso. Abrange mais ou menos 1 em cada 60 jovens entre os 15 e os 34 anos que só hoje em Portugal não estudam nem trabalham.
Enquanto a economia vai sendo destruída, os estágios vão substituindo as necessidades de trabalho permanente. Os estágios da Aliança para Juventude, pomposamente apresentada numa sessão pública por Passos Coelho, Paulo Portas, Mota Soares e Durão Barroso, dão para a imprensa fazer umas notícias baseadas na ilusão de aquele 1 em cada 18 jovens desempregados em Portugal que vai poder ter um estágio deste programa, vai depois ficar estável numa empresa cujo trabalho corresponda à sua formação e interesse.
Enfim, há programas assim. São criados para fazer notícias. E para fingir que a Europa ainda está de boa saúde, quando cheira a podre por todos os lados.
Mais um ano no ISCTE, mais um Fórum de Políticas Públicas. Mais um Fórum de Políticas Públicas, mais um festim do bloco central. É uma pena uma academia que se devia caracterizar antes de tudo pela diversidade de opiniões contribua para um dos preconceitos mais básicos da sociedade portuguesa: só o PS, o PSD e o CDS estão aptos para governar.
Personalidade de outros partidos ou sem filiação partidária nada têm acrescentar no debate sobre as políticas públicas. São também assim estes tempos. Tempos em que o pluralismo de uma democracia intensa ou já desapareceu ou tem andado bem desaparecido.
Tudo começou com estes olhos espalhados por tudo o que era carruagem do metro e autocarro da carris. Durante vários dias toda a gente comentava a estranheza da imagem. Mas enfim, hoje há marketing para todos os gostos. Não se devia ter desvalorizado. Estes olhos estavam mesmos a observar-nos e passados uns dias, a administração do Metro e da Carris decidiram desvendar a curiosidade:
Afinal a Carris e o Metro queriam dizer-nos para cada um de nós ser um vigilante do vizinho do lado. De facto, é cada vez mais comum que os responsáveis dos transportes de Lisboa fechem os olhos quando veêm as pessoas a passar sem passe. Eles sabem que para muita gente que vive em situações ultraprecárias, essa é a única forma de terem direito à mobilidade na cidade.
Mas a Carris e o Metro foram longe de mais. Mereceriam, no mínimo, que todos os cartazes fossem vandalizados. A sociedade não tem de ser um antro de bufos que controlam os pobres e que assistem apáticos à degradação dos transportes públicos e do direito à mobilidade.
Se pensam que assim é, estão mesmo enganados. As pessoas vão mandar o big brother à merda. Afinal de contas, ainda há dignidade neste país.
Decorreu neste fim-de-semana no Coliseu dos Recreios o Congresso do PSD. O partido tentou demonstrar a mais de 900 mil pessoas desempregadas, a 2 milhões de pobres e a milhares de pensionistas e de jovens que emigraram do país que esta nobre e honrada terra corre em ventos brandos para o admirável mundo do progresso, do sucesso e da prosperidade económica. Para isso devem ter contratado nos últimos tempos algumas centenas de assessores de comunicação. Não é fácil explicar a alguém que tem menos salário ou pensão, que não tem emprego, que emigrou ou que vive na pobreza, que o país melhora consoante mais degradada esteja a vida de quem nele vive. Mas isso vai ser a política dos grandes. O que queria mesmo falar é da política dos pequenos. Dos pequeninos. Da jovem ninhada social-democrata.
Na boa tradição paternalista e conservadora de dividir a política em termos etários, o PSD criou um quintal para a sua juventude. A JSD lá vai brincando aos políticos no seu parque infantil onde os baloiços são substituídos por odes a entrudos tão incomodativos como tem sido um tal de Hugo Soares, que aparentemente, estranhe-se, é o líder da JSD. Mas o problema é que estes entrudos ganham mesmo vida e de repente, enquanto esfregamos um olho, já são secretários de estado voando da universidade para o aparelho de estado num golpe de magia que faz impressionar os mais céticos.
A JSD apresentou uma moção estratégica ao Congresso do PSD. Vale a pena lê-la. É que mesmo que nós achemos que os dirigentes da JSD são meia dúzia de papalvos a brincar à política - e são -, algumas das estranhas criaturas acabam mesmo por se tornar ministros, primeiros-ministros ou secretários de estado. O que levou a Congresso esta nova ninhada de jotinhas?
Um país dominado pelo bloco central. Propõe uma reforma do sistema político para que o bloco central consiga dominar ainda mais o país. A ideia é reduzirem o número de deputados para concentrarem a quase totalidade do parlamento no bloco central, ao mesmo tempo que definem círculos uninominais para esvaziar a capacidade dos partidos mais pequenos elegerem. Para ajudar à festa do bloco central propõe ainda um aumento do mandato presidencial para 7 anos.
Ajustar contas com Abril. A JSD não tem gostado que o Tribunal Constitucional proteja quem trabalha. Por isso, estes jovens propõem-se a liderar uma grande revisão constitucional. Dizem que os valores de Abril estão ultrapassados. Na verdade, eles têm vergonha dos valores de Abril e concretizam: é preciso acabar com a gratuitidade tendencial dos serviços públicos de educação e de saúde para criar serviços públicos apenas para os pobres. E vão mais longe: é preciso que a segurança social tenha noção de que o Estado não tem dinheiro e que alguns dos seus princípios de solidariedade devem ser abandonados.
Criminalizar… o PSD. A JSD diz que há um desfasamento entre os cidadãos e os “políticos” e por isso acha que se deve criminalizar a má gestão pública. Desse ponto de vista, por princípio, nada contra. Isso podia ter duas vantagens. A primeira era a JSD começar a candidatar-se à Procuradoria-Geral da República deixando o Parlamento em paz. A segunda é a de que talvez pudéssemos, com a ajuda da JSD, começar por responsabilizar criminalmente o conjunto de dirigentes do PSD que andou metido na vergonha BPN e aqueles que têm vivido à sombra do Estado há décadas. Por onde querem começar?
Austeridade perpétua. A JSD encontrou a solução mágica para a economia. Consiste em meter na Constituição uma chamada “Regra de Ouro” para limitar o défice. Isto é, passa a ser expressamente proibido e inconstitucional numa altura de crise o Estado poder ser chamado a gastar mais em investimento público para criar emprego e a dar mais proteção social para evitar a pobreza e recessão (como aliás se resolveu a crise de 1929). Trocado por miúdos, a forma de garantir a “sustentabilidade” do Estado é estarmos enterrados até ao pescoço em políticas de austeridade até que alguém decida deitar a “Regra de Ouro” para onde ela tem de estar: no lixo onde estão as piores ideias da história económica, social e política.
A JSD é o elefante na sala do congresso. Só que é elefante que fala. É um elefante pronto para, assim que o dono der ordem, se levantar e exprimir com total veemência meia dúzia de frases feitas para testar as hostes.
A eloquência digna destes competentes empreendedores do aparelho estado soou no Congresso do PSD como a voz de Hugo Soares soa no Parlamento: acalma as consciências dos conservadores, testa publicamente a repugnância de um projeto ideológico totalizante e envergonha a modernidade que se construiu neste país.
É preciso muito cuidado com eles. Eles andam mesmo aí.
"Assim como a orientação denominal de um homem é o resultado de sua educação, e o religioso precisa de um retiro para sua alma, a opinião pública das massas representa nada mais que o resultado final de uma incrível tenacidade e perfeita manipulação de de sua mente e alma"
As nossas sociedades produzem os seus próprios bibelôs e os seus próprios cães de loiça. São pessoas que não se percebe de onde vieram, quem é que são e porque é que estão ali especadas. Mas apareceram, fixaram-se e vivem vomitando opiniões em todos os canais de comunicação. Sabe-se, no entanto, que no geral ninguém assume responsabilidade de as ter ali posto. Também ninguém sabe bem porque é que ninguém as tira dali e, no geral, ninguém as aprecia especialmente. Enfim, tudo isto para vos falar de um tal jornalista (segundo consta) João Miguel Tavares.
Conheci-o numas crónicas da revista do correio da manhã sobre banalidades do quotidiano, o seu filho, a sua família e mais não sei bem o que. Eram crónicas um bocado patéticas mas ao menos aí não incomodava ninguém e entretinham a malta quando ia à casa de banho. Agora está em todo o lado, tem um programa de comentário político semanal, escreve no Público e vomita opiniões por todo o lado.
João Miguel Tavares é um símbolo do nosso tempo. É um símbolo de uma direita rançosa e conservadora que tenta dar um ar moderno mudando as hastes dos óculos. Parecem mais modernos, mais chiques, mais hipesters, mais tudo. Mas são a mesma coisa, cheiram ao mesmo e ganham uma presença no espaço mediático completamente dissonante do que vão fazendo pela vida.
Enfim, o João Miguel decidiu dizer que o aborto livre e gratuito é uma vergonha. Diz que as mulheres não podem ir para a prisão mas que isto também não pode ser tudo à balda. Que é preciso um meio termo: as mulheres que querem abortar devem auto-organizar-se para recolherem dinheiro e irem a uma clínica privada. Enfim, isto é uma maneira chique de mandar as mulheres para vãos de escada e para desresponsabilizar o Estado por uma escolha que foi maioritária. Mas a minha proposta é outra, é que nos juntemos, nos auto-organizemos e arranjemos umas massas para dar um subsídio ao João Miguel para não ter que ganhar a vida a vomitar conservadorismo nos média.
Continuava a comer e a viver porque nós somos pelo direito à vida. Mas o nosso ar, esse, ficava bem mais respirável.
Percebemos que há muita a coisa a mudar na esquerda, quando vemos a Constança Cunha e Sá a desmistificar mitos da unidade à esquerda e a dizer que só um louco de esquerda se sentaria para negociar com António José Seguro, quando vemos Herique Raposo a dizer que o Bloco acabar é mau para a democracia porque o PS fica sem o possível parceiro de negociatas e o João Miguel Tavares e a insurgir-se contra Daniel Oliveira e a sua tese de que é preciso um novo partido depois das europeias que meta medo e asute o PS para este ser obrigado a mudar de política.
Na unidade de esquerda, nem a direita se entende.
Rui Tavares assina hoje no Público um conjunto de maus cenários em que Portugal pode mergulhar em 2015. Identifica três cenários: o cenário mau é o cenário com o PS sem maioria à procura de uma coligação com o PSD ou o CDS; o cenário péssimo é o PSD e o CDS ganharam juntos com maioria; e o cenário medonho é o cenário PSD e CDS juntos mas sem maioria a formarem uma coligação com o PS. São cenários péssimos. Mas não são os únicos cenários péssimos em que podemos cair. Podemos cair no péssimo cenário de o PS ganhar sem maioria e procurar em alguns sectores da esquerda um parceiro de coligação. É cenário bastante improvável, mas é aterrador.
Se parte do espaço político à esquerda do PS decide colcocar-se a jeito para ser parceiro de coligação de um partido liderado por António José Seguro e com o Tratado Orçamental como grande referência programática será uma tragédia. Uma tragédia de enorme alcance: venderá a ilusão ao povo de esquerda que será uma alternativa quando na prática será um governo que aplicará a austeridade do tratado orçamental, que destruirá aos poucos o que resta do Estado Social e que não enfrentará em nenhum momento a Europa da Troika.
E sim, uma aliança desse tipo pode evitar uma aliança do PS com a direita, mas a pergunta que devemos fazer é mesmo essa: tentar evitar um Governo do PS com a direita é suficiente para a esquerda entrar num governo de austeridade? Eu acho que não. Foi este rotativismo instalado que nos trouxe este estado de coisas. Se queremos superar este estado de coisas temos de superar o rotativismo. E temos de juntar milhares de pessoas para isso. É difícil e muito exigente. Mas nestes tempos de catástrofe é exactamente isso que está em causa.
Rui Ramos. Não há muito a dizer sobre esta pessoa quando as suas declações falam por si. Rui Ramos presta-se a estas tristes e deploráveis declarações e lembremos-nos: Rui Ramos é investigador principal do ICS e é membro do Conselho Científico das Ciências Sociais e Humanas da FCT. É óbvio que quando pessoas destas têm altas responsabilidades na política científica em Portugal, não há muito a esperar além do que existe: uma cova negra e funda para onde estes saudosistas do passado nos querem atirar.
Hoje um bando da JSD leva ao parlamento uma proposta pra referendar a adopção e a coadopção por parte de casais homossexuais. Apetecia-me chamar-lhes os piores nomes, porque o que a JSD e o PSD com a sua disciplina de voto estão a propor é uma manobra completamente autoritária e antidemocrática.
Em primeiro lugar, mesmo não estando em discussão, a JSD quer amarrar a adopção plena à coadopção. De facto, não há nenhuma proposta de adopção em cima da mesa e a JSD quer misturar tudo por razões estratégias.
Em segundo lugar, a JSD está a tentar bloquear durante anos a conquista da adopção e da coadopção. É que propondo um referendo e legitimando que uma maioria possa vedar os direitos a uma minoria, a direita, se ganhar o referendo, amarra durante anos a sociedade a esta escolha completamente ilegítima.
Depois de ter sido aprovada no parlamento a coadopção, a JSD tentou com este referendo subverter a votação que aconteceu e sobretudo arranjar um mecanismo que amarre a sociedade durante anos sobre este assunto. O referendo é uma estupidez. E há muita gente no PSD que também o sabe. Por isso, a ser aprovado resta-nos todas as alternativas: apelar ao veto do presidente, ir tribunal constitucional, fazer o que for necessário.
Numa altura em que o Governo prepara mais austeridade e cortes estado social com o programa cautelar, a JSD está a tentar uma coisa simples: deixar que uma deriva homofóbica divida a sociedade, afastar o debate e a polémica do roubo que o governo está a fazer e deixar a sociedade presa a um referendo ilegítimo.
É preciso travá-los.