Belém é um filme israelita, de Yuval Adler, que estreou em Portugal há uns dias.
É um retrato da relação entre um agente dos serviços secretos israelitas e um jovem palestiano que, chantageado, aceitou colaborar com ele. Uma relação rasgada pela desconfiança de lado a lado, mas em que um sentimento de afeto não deixa de estar presente. Consegue expor as contradições muitas vezes presentes do lado da resistência palestiniana, em que vários grupos se dilaceram, afastando-se do seu objetivo primordial e tornando as vidas das pessoas um instrumento. Mas, mais que isso, mostra-nos como a guerra afeta e destrói a vida das pessoas comuns.
Um filme essencial, para mais numa altura em que a agressão israelita é feita de forma tão violenta. A ver.

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Há uns 3 ou 4 anos lembrei-me de ler um livro do Camus que dá pelo nome de "O Mito de Sísifo". Era claramente demasiado avançado para mim na altura (e, hoje, provavelmente, continuaria a ser), pelo que retive pouca coisa. No entanto, serviu pelo menos para ficar a saber o que é o mito de Sísifo.
Sisífo era um mau tipo e que, como castigo pelo mal que fez, foi condenado por toda a eternidade a empurrar uma pedra gigante até ao cume de uma montanha. Sempre que parecia que estava a chegar ao topo, ups, lá vinha a pedra cá para baixo outra vez, e o coitado tinha de recomeçar tudo do início. É uma história curiosa para falar daquilo que são os esforços inúteis que levamos a cabo na nossa vida.

Que acrescento é que eu quero fazer a esta história? Falar da pedra. Que é, para mim, nos tempos que correm, o PS.
O PS foi, desde que temos Governos Constitucionais depois do 25 de Abril, governo durante cerca de 17 anos. Várias vezes em coligação. Nunca com a esquerda.
Durante esses anos, e foram tantas as hipóteses, o PS fez quase tudo igual aos partidos de direita. Privatizou o que não devia ser de ninguém a nível pessoal, mas de todas e todos a nível colectivo, sem o ter anunciado. Não fez frente aos de cima, o que sempre se revelou mais claramente em alturas de crise, contra o que dizia que faria. Pôs Portugal na Comunidade Económica Europeia e aprovou vários tratados (e outro tipo de medidas) que põem em causa o direito de quem cá vive escolher o rumo político que coletivamente traçar, sem o sufragar. E etc. Pôs o socialismo na gaveta e, pelo caminho, em larga medida, também se esqueceu daquilo que devia ser um partido democrata, o que não deixa de ser curioso para um partido que começou a crescer apresentando-se como defensor inabalável da democracia.
O PS tem certamente gente decente, honesta e bem-intencionada nos seus e nas suas militantes. Mas que compactua há demasiados anos com uma política que não se diferencia da da direita. Isto faz destas e destes militantes do PS más pessoas? Não. Tal como, sublinho, há gente bem-intencionada nos partidos de direita. Mas não os faz sujeitos de uma política unificadora para a transformação da sociedade. Ser bem-intencionado não chega.
Chegamos ao ponto fundamental: o PS pode mudar? Pelo que nos diz a história do partido, e o que sabemos das suas disputas internas (na sua quase totalidade, disputas por lugares mais apetecíveis aqui e ali, e não por discordâncias políticas), acho sinceramente que a resposta é "não". Posso estar enganado, e se isso acontecer admiti-lo-ei, mas o PS não mudará. Ou mudará apenas no dia em que houver uma força com enorme pujança, e agregadora, à esquerda, que mude as coisas e que o leve a perder uma parte enorme da sua base social de apoio. Porque, como partido do poder que é, provavelmente ajustar-se-ia, como foi ajustando cada vez mais à direita a sua política económica. A discussão sobre o que fazer nessa situação (ou seja, como responder a quem pouco tempo antes defendia o que agora se desmoronava) parece-me bastante abstrata. No entando, sempre me parece mais interessante do que falar das "puxadelas" que é preciso fazer ao PS para ele vir para a esquerda, porque ainda que seja abstrata parece mais real.
Não dá para puxar algo que pesa dez vezes mais que nós sem se esperar ser arrastado: não vale a pena esperar que quem, para evitar aprovar uma reforma fiscal justa (que seria viabilizada pela abstenção do Bloco de Esquerda ao Orçamento de Estado. Ver mais aqui: http://www.esquerda.net/opiniao/imposto-de-solidariedade-uma-hist%C3%B3ria-antiga-em-10-notas), preferiu negociar com um deputado do CDS, queira qualquer política alternativa.
É muito mais interessante pensar coletivamente como criar uma ampla força transformadora que ganhe a confiança das pessoas para "mudarmos o nosso futuro". E, já agora, criá-la.
A situação que presenciamos nos dias de hoje não é de todo animadora e, seja isto bom ou mau, nunca conseguimos fugir à sociedade em que vivemos. Pelo que é "natural" que seja ainda mais atrativo do que normalmente procurar soluções mágicas para o nosso futuro. Estou, no entanto, profundamente convencido de que a maneira de encontrar soluções é observar a realidade a fundo para a perceber, e daqui perceber o que se deve fazer. Por muito difíceis que as soluções se nos apresentam, sempre são mais razoáveis do que as não-soluções, que nenhum problema resolvem.
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"A esquerda socialista bate-se por reformas em marco capitalista? Claro que sim. Acaso um sistema fiscal progressivo é, em si mesmo, «anticapitalista»? Acaso uma política industrial que crie emprego é, em si mesma, «anticapitalista»? Ou a defesa do Estado-providência? Entendamo-nos: o capitalismo desenvolvido foi capaz de viver com estes compromissos e em vários países emergentes, nomeadamente na América Latina, é isto que hoje se faz: crescimento com redistribuição social. Dito isto, fiscalidade progressiva, emprego e formação, requalificação industrial com respeito pelo ambiente, politicas sociais eficazes e sob controlo público, fazem parte de qualquer projecto de transição socialista. Todo o socialismo que se ganhar em marco capitalista é «nosso», ou seja, anuncia ele próprio o socialismo que há-de vir. Por outro lado, não sendo, em si mesmas, «anticapitalistas», as linhas e estratégias enunciadas insurgem-se contra a lógica actual do capitalismo globalizado, assente na liberdade ilimitada de circulação dos capitais e na diminuição do peso do Estado nas sociedades contemporâneas. É por isso mesmo que a luta pelas reformas sociais e económicas, que se poderiam situar, sem dificuldade, na melhor tradição da social-democracia europeia, exige hoje governos de forte inspiração popular."

Mesmo para quem pensa que a social-democracia é o objectivo a alcançar (por princípio ou excepcionalmente, devido à gravidade e profundidade da situação presente): esperar que sejam os Partidos Socialistas europeus (eventualmente com uma ajuda para "encarrilharem"), submersos na lógica neoliberal de encarar a vida em comunidade, a levar a cabo uma mudança, séria, de políticas parece ser um bom caminho para uma desilução completa e para a cedência a um sentimento de fatalidade.
Quem é o autor do texto? Miguel Portas.
Citação tirada daqui: http://unipop.info/http/www.unipop.info/images/01_impropria_inq_esquerdas.pdf
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Nas últimas semanas, a Irlanda tem-nos sido apresentada como a prova empírica de que a receita austeritária da
troika resulta.
Ainda há dois dias, Olli Rehn - vice-presidente da Comissão Europeia e o comissário europeu responsável pelos assuntos económicos e monetários – dizia no Parlamento Europeu que esta funciona “razoavelmente bem”: os “programas de ajustamento” permitem resolver a crise - gerada pela “acumulação de desequilíbrios macroeconómicos”. Exposta a cartilha dominante, por parte de quem tem largas responsabilidades no que se tem passado nestes últimos anos, vamos ao que interessa:
o “programa de ajustamento” irlandês foi bem-sucedido?Antes de mais, convém lembrar que o que está em causa: a
troika saiu oficialmente da Irlanda. Na prática, porém, continua a ser “vigiada” pelos
“credores oficiais, nomeadamente por parte do FMI”. Indo ao ponto fulcral:
a austeridade perdura, e perdurará por bastante tempo.
Diz-nos o Expresso que “A consolidação orçamental em 2014 e 2015 vai envolver um ajustamento de 3% do PIB irlandês, ou seja mais 5,1 mil milhões de euros depois de uma consolidação de 13,2 mil milhões (8% do PIB) entre 2011 e 2013. Já para o próximo ano [2014], o ajustamento na Irlanda terá de envolver 2,7 mil milhões (…). O objetivo é registar em 2015 um défice público inferior a 3% do PIB.” O objetivo é garantir a sustentabilidade da dívida pública, ou seja, que o país será capaz de pagar a totalidade da dívida, evitando que os credores possam ser atingidos. Estranho caso de sucesso, este, em que está tudo bem, mas em que a austeridade continua, e continuará, a ser o prato do dia. Há, pois, que definir prioridades, e a Irlanda tem-no feito, nunca pondo em causa os credores:
em 2014, a Irlanda terá que pagar 8,4 mil milhões apenas em juros (
em 2013 foram 8,1 mil milhões), um valor muito semelhante ao orçamento total da educação (
8,7 mil milhões).
Estando mostrado que a austeridade não terminou, e não parece perto de terminar, importa saber quais os efeitos que esta tem tido na sociedade e na economia irlandesas: como tem evoluído o PIB? E o nível de desemprego? E a dívida pública? Quais as classes que foram mais prejudicadas pela austeridade? Relativamente ao primeiro ponto, o discurso austeritário favorece a tese de que o crescimento do PIB está agora numa fase de crescimento galopante, depois de ter sido feito “o que era preciso”. Ao contrário, o desemprego desce abruptamente, tal como a dívida pública. Relativamente à questão sobre quem seriam as pessoas mais afetadas, o discurso dominante favorece a tese de que os sacrifícios são justamente partilhados por todos e todas.
Antes de ir procurar responder a estas questões, mais ou menos pertinentes, importa contextualizar a situação em que a Irlanda recorreu a programa de “ajuda” externa e em que consistiu exatamente este programa.
A economia irlandesa
O
gráfico 1 mostra-nos a evolução do saldo orçamental irlandês, para o período 1999-2013. Até 2008, apenas uma vez a Irlanda teve um défice nas contas do Estado: importa relembrar que falamos aqui do saldo final, já depois de considerados os pagamentos de juros e as amortizações da dívida contraída. Onde estão os largos “desequilíbrios macroeconómicos” de que tanto se fala?
Gráfico 1
Certamente do lado da balança comercial, que regista as exportações e importações de bens e serviços, para um dado país. No
gráfico 2podemos ver, para o mesmo período que o considerado no gráfico 1, que a balança comercial irlandesa foi positiva para todo o período considerado.
Gráfico 2
Quando se referem aos desequilíbrios macroeconómicos, os defensores da austeridade referem-se obviamente à presença de grandes défices orçamentais e comerciais de um país, ao longo de um período considerável de tempo. A Irlanda verifica o contrário: persistentes saldos positivos de ambas as balanças (orçamental e comercial), sendo que apenas no período do reinado da troika é que a balança orçamental foi afetada.
De forma direta, podemos dizer que os grandes desequilíbrios macroeconómicos que a Irlanda verifica pertencem ao plano do imaginário. São uma mentira imposta para justificar o discurso de que as pessoas andaram a viver acima das suas possibilidades, de que
“os salários eram tão altos que toda a gente reconheceu que tinha de haver uma correcção” (quem é o diz é Suzanne Lynch, que fala no papel de correspondente do
Irish Times em Bruxelas), justificando então um empobrecimento coletivo, mais que não seja para permitir a purificação das almas.
Importa, no entanto, realçar alguns fatores essenciais que podem advir do que foi aqui dito sobre os saldos orçamental e comercial:
- Não se faz aqui a defesa de saldos largamente positivos por períodos sucessivos de tempo. Os saldos continuamente positivos implicam que outros países observam saldos sucessivamente negativos, o que levá-los-á muito provavelmente a uma situação de subalternização perante o exterior, sob a forma de submissão face aos credores ou sob outra forma distinta de dominação, que historicamente revela ser não sufragada e antidemocrática: a culpa destes desequilíbrios não pode ser vista como estando apenas do lado do país “deficitário”. Por outro lado, não se diz que as trabalhadoras e os trabalhadores dos países com saldos sucessivamente negativos viveram acima das suas possibilidades: há mais destinatários da riqueza produzida, e provavelmente para muitos deles a afirmação já é válida.
Voltando onde parámos, e considerando agora uma outra balança, a corrente. Esta balança já comporta, relativamente à balança comercial, duas balanças adicionais: a de rendimentos e a de transferências. Considerando portanto a
balança corrente (aqui medida em percentagem do PIB), como
o gráfico 3 representa, a história já é diferente, tendo a Irlanda durante muitos anos verificado
saldos negativos. Estes são
explicados pela balança de rendimentos, que agrega todas as transações correspondentes a rendimentos decorrentes de ativos que residentes têm no exterior e que estrangeiros têm em território nacional: a Irlanda foi alvo de grandes investimentos por parte do exterior, daí que uma parte enorme do que produz não sirva para seu consumo interno, pois é usada para pagar aos investidores internacionais. Isto leva-nos a pensar até que ponto não é importante o controle dos investimentos estrangeiros ao invés da sua promoção irrefletida.
Gráfico 3
A dívida privada (das empresas e das famílias) atinge, na Irlanda,
valores altos em comparação com os restantes países europeus. A título de exemplo,
enquanto a dívida privada portuguesa representava, em 2012, 254,6% do PIB, a irlandesa representava 331,8%. Não nos vamos alargar a discutir esta situação aqui mas parece ser claro, tal como em Portugal, que este aumento de dívida privada não foi criado por um extraordinário impulso consumista das pessoas, mas sim pela criação de uma nova realidade comportamental por parte dos bancos e do Estado principalmente nas últimas duas décadas, promovendo o endividamento das empresas e famílias. No que às últimas diz respeito, o destaque vai para a política de habitação: o Estado promove a aquisição de habitação própria, enquanto os bancos competem para conseguir o maior número possível de devedores.
Diz-nos o The Economist que “na Irlanda, esta [privada] dívida também é afetada pela presença de multinacionais; ainda assim, a dívida das famílias só por si representa mais de 100% do PIB”. O artigo de Ana Cordeiro Santos para o livro
Não acredite em tudo o que pensa ilustra muito bem esta realidade para o caso português. Foi, aliás, este padrão comportamental, com várias particularidades que não serão referidas aqui, que originou a crise americana do
subprime, que marca o início da crise desta nova era de depressão económica prolongada.
As políticas de austeridade não resolveram o problema da elevada dívida privada: esta estava nos 313,3% em 2010 (o acordo para a “ajuda” externa foi feita em novembro desse ano), passou para 330% em 2011, subindo ainda mais um pouco até aos já referidos 331,8% observados em 2012 (ver dados
aqui).
A narrativa de que a crise financeira iniciada em 2008 pôs a nu as debilidades económicas da Irlanda em termos de criação de riqueza é falsa. Pôs a nu as debilidades do seu sector financeiro, nas mãos de privados e não regulado, incapaz de lidar com a crise internacional e que, por outro lado, contribuiu com a conivência estatal para o grande endividamento dos privados que tornou o país mais suscetível a uma crise global. Ao mesmo tempo, a crise mostrou a grande dependência da Irlanda face a proprietários externos, sendo que o retorno dado aos investidores externos implica um pagamento ao exterior que deteriora as contas. Mas não mostrou a sua incapacidade de gerar riqueza, pois essa incapacidade não existe.
É esta mentira que permitiu que o Estado impusesse medidas de austeridade muitíssimos lesivas às irlandesas e aos irlandeses, de forma a ser capaz de salvar os bancos. Como exemplo, o défice orçamental de 30,6% verificado em 2011 (representado no gráfico 1), um valor incrivelmente elevado, não é explicado pelo pagamento de salários exorbitantes e despesas sociais “supérfluas”, mas sim pelo dinheiro usado para socorrer o sistema financeiro. E nada parece ter mudado no fundamental em termos da visão sobre o papel e a posse dos bancos (nem na maneira como a dívida é contraída,
continuando as emissões a ser “asseguradas” por bancos privados), pelo que estão criadas as condições para uma crise equivalente daqui a alguns anos ou décadas.
O plano de “resgate”
Um
estudo feito pela Attac irlandesa em conjunto com a Attac austríaca demonstra de forma clara que, enquanto o empréstimo total dado pelos credores institucionais na sequência d
o programa de “ajuda” externa foi de 67.500 milhões de euros, o valor gasto com os bancos foi de 89.500 milhões de euros. Todos os credores, mesmo os que não estavam cobertos por garantias do estado (caso dos
hedge funds) foram reembolsados, ao passo que o fundo nacional de pensões, que visa garantir o futuro das reformas das irlandesas e dos irlandeses, foi “saqueado”.
Para levar a cabo esta política,
vários impostos foram aumentados, dos quais
o IVA é um bom exemplo. Das poucas coisas que foram poupadas, destaca-se
o IRC, que
permaneceu inalterado nos 12,5%. O argumento usado foi o de manter a competitividade fiscal que permitiu à Irlanda receber muito investimento vindo do exterior. Mais que sintomática é a passividade da União Europeia perante esta medida de
dumping fiscal, que faz com que haja diversas multinacionais que pagam impostos mais baixos na Irlanda em vez de os pagarem nos sítios onde a produção é levada a cabo.
Mas
a maior parte da austeridade foi feita do lado da despesa,
como se regozija Miguel Frasquilho quando refere que “o ajustamento irlandês foi, é e será realizado em dois terços no lado da despesa”. Estes cortes na despesa do Estado (
na ordem dos 20%, um valor enorme) foram efetuados em extensas áreas essenciais para a vida em sociedade.
Irlanda, um caso de sucesso?
É agora tempo de voltar às questões de partida e ver os efeitos das políticas que foram levadas a cabo.
1) O PIB, tal como
refere Krugman, não cresce a um ritmo acelerado mas, pelo contrário, muito lentamente, como podemos ver no
gráfico 4, da Comissão Europeia, acima de suspeitas de falta de honestidade “anti-austeritária”.
Gráfico 4
Legitimamente, Krugman diz que “é quase um ato heróico olhar para este gráfico e ver uma história de sucesso, uma justificação para as políticas de austeridade”: o PIB cresce ligeiramente, mas mantém-se bastante abaixo do que era em 2007 e as previsões não apontam para um bom crescimento nos próximos dois anos.
2)
O desemprego, por seu lado, também não tem uma evolução tão “famosa” como seria de esperar, como o
gráfico 5 ilustra.
Está em queda, mas esta está longe de ser suficiente para compensar a subida exponencial que ocorreu a partir de 2008, ano em que começou nos 4,7%, crescendo aceleradamente até ao pico de fevereiro de 2012: 15,1%. Em dezembro de 2013 situava-se nos 12,4%, bem longe das taxas de desemprego que eram verificadas na Irlanda desde o início da zona Euro (1999), e que até 2008 pareciam quase imutáveis.
Gráfico 5
3)
A dívida pública em percentagem do PIB, por seu lado, como ilustra o
gráfico 6,
continua a subir, sendo hoje quase 5 vezes maior do que em 2007.
Gráfico 6
4) A
distribuição dos sacrifícios causados pela austeridade
tem sido tudo menos igual, e este é o ponto mais importante de toda a análise aqui feita. A parte do produto total da economia que vai para as trabalhadoras e os trabalhadores foi reduzida abruptamente a partir de 2009, tal como se pode ver no gráfico 7, calculado a partir de dados da
Ameco, com a metodologia proposta
aqui (página 5). E as previsões apontam para que decresça ainda mais nos próximos anos. Há, pois, uma
transferência de rendimentos do trabalho para o capital.
Gráfico 7
Paralelamente a esta evolução,
7 mil pessoas saem da Irlanda por mês(convém lembrar que a Irlanda tem menos de 5 milhões de habitantes),
de acordo com Lynn Boylan, dirigente do Sinn Féin. O
desemprego jovem, na ordem dos 30%, explicará certamente em grande parte esta saída massiva de pessoas, ao nível dos anos 80. A Irlanda é um país em que em vários períodos históricos a emigração tomou valores elevadíssimos, e hoje voltou a esse padrão. Os números do desemprego tornam-se artificialmente baixos face a esta realidade, isto é, não teriam provavelmente a evolução (ligeiramente positiva) que teriam se a saída do país não fosse uma realidade tão massiva.
Por outro lado, não temos dados para verificar com certezas quem são as camadas da sociedade mais afetadas pela redução das despesas sociais, mas sabemo-lo com um grau bastante elevado de certezas: são as camadas mais pobres da sociedade que, pela sua condição, estão mais dependentes de complementos estatais que ajudem a rematar os seus parcos rendimentos.
Portanto, a Irlanda não é um caso de sucesso
- O programa de “ajuda” externa irlandesa serviu por um lado para salvar os bancos e, associado às mentiras sobre a falta de capacidade produtiva irlandesa, a destruir as ajudas sociais e a liberalizar a economia;
- O programa não foi um sucesso: o PIB decresceu muito e demora a subir; o desemprego baixa, mas lentamente e está muito acima do nível inicial - e ainda assim esta evolução é ajudada pela emigração em massa que se verifica, caso contrário a taxa de desemprego seria muito maior; a dívida cresceu imenso;
- Os mais prejudicados pelo programa foram as classes trabalhadoras e as mais pobres. O capital está hoje numa posição estratégica superior àquela em que estava antes.
É essencial desvendar o embuste ideológico sobre a origem dos problemas do país, a forma como estes foram resolvidos e os resultados das soluções levadas a cabo, para que a discussão sobre o caso irlandês seja feita no domínio do real e não do ficcional.
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"PSD impõe voto a favor do referendo à co-adopção por casais gay" E se, em vez de referendarem direitos humanos, se lembrassem de referendar tudo aquilo que prometeram fazer e não fizeram?

De uma direita cujo projeto político já só se limita a ser gestionário e que, nos momentos a sério, decide pôr em causa os direitos das minorias, só podemos esperar cada vez pior. Com a certeza de que, se nada fizermos, só pode ser ainda pior. E lembrei-me deste vídeo do Miguel, tantas vezes válido para tanta coisa.
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Este texto do Castro Caldas, de 2011, ilustra bem porque é que, a meu ver, a esquerda que acha que a história ainda não acabou e que quer mesmo mudar as coisas não deve cair no erro de se juntar a partidos que, debaixo do manto da esquerda, fizeram tudo demasiado parecido aos de direita. Se não defendemos o que acreditamos, e só o "menos pior", acabamos a ser como el@s. Por último, a falta de unidade da esquerda nos assuntos essenciais é uma mentira: alguém que ma queira provar diga-me quantas (e quais, já agora) votações na AR o Bloco e o PCP não votam juntos. O PS não vota a favor de propostas para combater a pobreza infantil (um exemplo entre tantos outros), deve ser certamente "porque somos sectários" e "não os sabemos puxar para a esquerda".
"Acho que descobri por que é que a encenação de discórdia entre os “partidos do arco da governação” é tão insuportável. Porque violenta a lógica, transformando uma conjunção de verdades numa falsidade.
O PS acusa o PSD de querer privatizar tudo e mais alguma coisa. É verdade. O PSD lembra que o PS tem sido o campeão das privatizações. Também é verdade. O PS diz que o PSD quer uma saúde para ricos e outra para pobres, destruindo o SNS universal e tendencialmente gratuito. É verdade. O PSD lembra que o PS não se cansa das parcerias com o privado que entregam a gestão dos hospitais aos privados e está a privatizar o SNS. Também é verdade. O PS acusa o PSD de querer destruir o Estado Social. É verdade. O PSD responde que o PS, dizendo defender o Estado Social, tem vindo a destrui-lo de facto. Também é verdade.
Os partidos do “arco da governação” que estão de acordo no acordo com a troika defendem o Sector Público Empresarial, o SNS e o Estado Social. É falso. Conclusão: da conjunção de verdades resulta uma falsidade."
Daqui: http://ladroesdebicicletas.blogspot.pt/2011/05/sob-o-manto-diafano-da-verdade.html

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Atravessamos tempos negros. Ao defendermos salários mais dignos, pensões dignas, serviços públicos, há quem faça parecer que estamos a pedir um mundo e o outro. Para nós, parecem-nos coisas elementares para uma sociedade minimamente aceitável. E é pena não sermos suficientes para tornar essas reivindicações realidade (é importante pensarmos como podemos alargar mais o combate a esta política. Mas com a cabeça fria para não cairmos em análises simplistas, para não irmos na análise errónea de “quanto pior, melhor” para a aceitação da oposição, da qual se deduz com grande probabilidade que com uma alteração ou duas da maneira de expor as coisas, e mudando eventualmente uma ou duas caras, se resolvia tudo. Era mais simples, não penso que seja assim a maneira como as coisas são).
Estas coisas básicas que defendemos não são exclusivas de “famílias” socialistas, comunistas ou sociais-democratas. Qualquer verdadeiro democrata cristão devia escandalizar-se quando o pagamento de dívida contraída junto de investidores (que sabem que é um instrumento de especulação) se sobrepõe ao pagamento de salários ou pensões. Todos os verdadeiros democratas cristãos que se queiram juntar ao combate deste governo serão bem-vindos. Talvez conhecendo mais de perto as nossas opiniões sobre assuntos como os direitos LGBT até se aproximem das nossas ideias. Talvez não; mas mesmo que assim seja não podemos abdicar do não-sectarismo como princípio inerente da nossa actuação. Porque mudar de mundo não é só fazer um mundo que vá mais de acordo ao que pensamos. Fazer com que outros com opiniões distintas possam usufruir também desse mundo deve fazer parte desta ideia de construção comum. Por muito que não gostemos de muitas das coisas que essas pessoas pensam.
Mas a ideia de que é necessário construir pontes com toda a gente que esteja dispostas a unir-se à defesa do “básico” não pode de todo colocar em causa que nós não queremos apenas o “básico”. Um exemplo: se por um lado faz sentido juntarmo-nos ao coro de críticos que defendem a subida dos salários por razões tanto sociais como económicas (salários mais altos estimulam a procura interna, criando um efeito positivo na economia; mesmo que nos modelos neo-liberais seja indiferente a quem está distribuído o dinheiro e as “distorções” sejam o que mina tudo. Observar a realidade costuma ser a melhor opção), queremos apenas os e as trabalhadoras a viver um bocadinho melhor?
Ou queremos que os e as trabalhadoras possam realmente decidir como querem organizar a produção e que recolham todos os frutos do seu trabalho? Que as pessoas possam ter a escolha real de trabalhar metade do tempo, ou ainda menos, do que trabalham hoje, para terem mais tempo para passear, namorar, fazer o que lhes apetecer?
Eu acho que queremos muito mais que salários mais altos e algumas garantias de estabilidade. E abdicar de sonhar é capitular.
Nestes tempos negros, penso sinceramente que podíamos pensar mais colectivamente como podemos tornar o sonho realidade. Discutindo as questões difíceis de como passaremos de uma sociedade baseada na posse privadas dos meios de produção para uma sociedade em que estes são geridos e usados colectivamente (pensando num exemplo muito básico e de não muito difícil resolução – a meu ver -, como resolvemos o problema de uma cooperativa ter acesso a um terreno muito fértil e outra ter um muito mau?).
A razão principal para pensarmos colectivamente estas questões não é a iminência de uma mudança brutal, é a necessidade de não esquecermos realmente o que queremos. Nestes tempos de miséria, não nos podemos deixar embrutecer.
(o título é enganador. Não me lembrei de outro melhor e ficou este)
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De 20 em 20 anos decreta-se que a análise da sociedade feita pelo barbudo alemão está obsoleta. Contra a corrente, há quem faça por que ela seja, 130 anos após a morte do dito, mais actual que nunca.
"Governo alivia carga fiscal para rendimentos mais altos", notícia de http://www.publico.pt/economia/noticia/governo-alivia-carga-fiscal-para-rendimentos-mais-altos-1609285
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